quinta-feira, 3 de março de 2011
Sonora Tropicante no programa Refrão, da TV Justiça, Brasília, DF
Amigos, convido-os a assistir a Sonora Tropicante tocando "Candangolombiano" e a entrevista do Carlos. Para quem não conhece é uma ótima oportunidade de ouvir a Banda, para quem conhece é uma boa ocasião para matar a saudade. Beatriz
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segunda-feira, 7 de fevereiro de 2011
Estamos cegos
Beatriz Vargas Ramos
No último domingo, 30 de janeiro, eu li, na Folha de S.Paulo, o artigo intitulado “Como cego em tiroteio”, assinado por Ferreira Gullar – que dispensa apresentação, um dos maiores poetas de língua portuguesa, admirado por milhões de pessoas, entre as quais eu me incluo. O artigo abre uma série de questões importantes para um debate público sobre o assunto das drogas. Diz o autor do texto que “A solução do problema do tráfico está na redução do número de consumidores de drogas”. Não há dúvida de que, também no mercado das drogas ilícitas, a oferta do produto guarda relação direta com a demanda. Se existe oferta é porque existe procura por droga. Aqui, bem entendido, “solução” do tráfico de droga é algo que somente pode ser concebido na linha da “redução” do problema e não da sua “eliminação”. Simplesmente porque não há como acabar com a droga. Seu consumo, prática universal e milenar, não é um acontecimento anormal, alheio ou paralelo à vida em sociedade, mas, ao contrário, é um fenômeno a ela inerente e por ela mesma produzido – vale dizer, normal, o que não se confunde com saudável ou recomendável.
O lema que marcou a Assembléia Especial da ONU, em junho de 1998, ocasião em que a UNODCCP – United Nation’s Office for Drug Control and Crime Prevention – adotou o plano Scope (Strategy for Coca and Opium Poppy Elimination) de erradicação, até 2008, de todos os plantios de coca e papoula do planeta, de forte carga propagandística, nada tem de realista: “a drug free world: we can do it”! Levada às últimas consequências, a promessa de erradicação plena do plantio de papoula, por exemplo, conduziria à extinção da morfina, usada para aliviar o sofrimento de pessoas que têm membros amputados ou para aplacar a dor de doentes graves ou terminais. Numa adoção às avessas do tema de uma outra propaganda, a da campanha eleitoral de Barack Obama à presidência dos Estados Unidos, em 2009, poder-se-ia dizer, em relação ao projeto irreal de “tornar o mundo livre de drogas”, “no we can’t!”. Não, nós não podemos varrer a droga do planeta. O ideal de uma sociedade sem drogas não corresponde a uma decisão individual – ou coletiva – por uma vida sem drogas, a não ser que queiramos impor aos outros – por qualquer “boa” razão, nossa sempre boa razão, na melhor das intenções de espalhar o bem e não deixar perder as almas, seja por motivos de ordem médica, filosófica, religiosa, jurídica – nossa convicção pessoal de não tomar vinho ou uísque, de não fumar tabaco nem maconha, de não usar viagra e lexotan, de não comer chocolate, não cheirar lança-perfume ou não aspirar cocaína... Não é porque o uso do álcool, sobretudo seu abuso, produz efeitos nocivos à saúde das pessoas que vamos proibir sua produção e circulação – ou, mais ainda, não é por isso que vamos incriminar as diversas ações que vão do plantio da cana-de-açúcar, passando pela produção de bebidas alcoólicas, até o armazenamento, transporte e comércio dos produtos. De pleno acordo com Ferreira Gullar, quando ele diz que reduzir o número de consumidores é algo que tem de passar pela informação – ampla e qualificada, além de acessível ao maior número de pessoas – sobre a natureza e os efeitos destrutivos da droga. E aqui, eu diria, não apenas das drogas ilícitas, mas também das inúmeras drogas lícitas, produzidas pelo lucrativo business das mega empresas farmacêuticas que dominam o mercado da saúde e que se acham à disposição do freguês de qualquer sexo, idade ou lugar social. No campo das drogas lícitas, os interesses dos produtores e comerciantes das drogas lícitas, farmacêuticas ou não, como o próprio álcool e o cigarro – sabemos! – são muito mais importantes que a saúde pública (que me corrijam os mais entusiastas da telinha, mas faz pouco tempo que eu comecei a ver campanhas televisivas de orientação contra o consumo de álcool entre os adolecentes).
De nossa parte, nós, ocidentais em geral, não demandamos muita informação sobre nossa própria saúde, e desde há muito que já entregamos a terceiros – os médicos – o domínio sobre nosso corpo, ou seja, nos livramos da responsabilidade de obter os mais elementares conhecimentos sobre nosso organismo e do esforço de zelar pela nossa própria saúde física e mental. Terceirizamos nossa saúde, para usar uma palavra moderna. Não há dúvida de que o acesso à informação é a melhor forma para pessoas maduras, livres e capazes poderem exercer, no mínimo, aquilo que se chama de administração pessoal, e o mais segura possível, do uso de droga, qualquer droga. Por isso mesmo, faz sentido pensar que o conhecimento e a informação – desde logo varridos do vocabulário da política proibicionista que inventou o conceito de droga ilícita – pode levar até mesmo à abstenção do seu uso, e, consequentemente, à redução da oferta, na via da redução da demanda. E, no entanto, sabemos, mesmo a informação mais ampla e qualificada sobre drogas não pode ter pretensões de colocar fim ao consumo. O comportamento consumista, qualquer que seja o produto, é influenciado pelos desejos e pelas necessidades do consumidor e este é o espaço do indivíduo consigo mesmo, onde a tomada de decisões é pessoal e cada um escolhe o que quer para sua própria vida. A tutela estatal encontra seus limites nessa esfera de exercício da liberdade individual. A atividade do poder legislativo de seleção de condutas que deverão constituir crime não se confunde com o poder de impor convicções éticas, religiosas ou morais. Aqui, simplesmente, não há porquê emitir um juízo de valor sobre os desejos e necessidades de cada um, como também não há como desconhecer influências de toda ordem no processo mesmo de formação desses desejos e necessidades – o que apenas demonstra a fragilidade do conceito de livre arbítrio, de liberdade de escolha na origem da ação humana (somos livres para fazer exatamente o que já foi eleito como modelo de conduta, para imitar o comportamento da classe dominante, para assimilar os símbolos de poder e dominação, para nos inscrever na realidade segundo os padrões aceitáveis e determinados pela cultura de massas, enfim, somos livres para “escolher” o tênis Nike).
A experiência revela, contudo, que a proibição, sob ameaça de prisão, não garante a abstenção do usuário (basta lembrar da experiência da lei seca norte-americana, cujo principal resultado foi a explosão da criminalidade com o enriquecimento de máfias e que levou ao descrédito da Justiça e à desmoralização das autoridades).
As penas de advertência sobre os efeitos da droga, de prestação de serviços à comunidade e a medida de comparecimento a programa ou curso educativo, todas previstas na lei em vigor, são preferíveis à pena de prisão, mas não são eficazes na redução do consumo.
O consumo de drogas, ilícitas ou não, é a regra no mundo de hoje, não a exceção. Nunca nos disponibilizaram tanta droga (é verdade que nem todos têm acesso a esse mundo do consumo, seja por causa do alto valor do produto, seja porque pertencem a uma classe social em relação à qual não se tolera o mesmo comportamento da chamada elite). Como diz Vera Malaguti Batista, há drogas para dormir e drogas para acordar, drogas para emagrecer e para engordar, para sonhar, para vencer, para ser feliz, para acelerar, para concentrar, para fornicar... É no mínimo curioso o fato de sermos incentivados a substituir o esforço pessoal pela satisfação imediata que algumas drogas, as “boas”, nos oferecem e, ao mesmo tempo, termos vedado o acesso a outras drogas, as “más”. A situação é comparável a outro quadro. Nossas leis de trânsito determinam como infração ultrapassar a velocidade máxima permitida, mas a indústria automobilística pode nos vender automóveis que desenvolvem mais de três vezes aquele limite... Compramos a promessa de velocidade, vale dizer, a garantia de sucesso, poder e prestígio social. Somos estimulados a transgredir?
Mais uma vez tem razão Ferreira Gullar ao dizer que, “do mesmo modo que a maioria dos consumidores de bebidas alcoólicas não é alcoólatra, a maioria dos consumidores de drogas as consome socialmente”. Bem, ainda que a afirmativa possa não ser válida para todos os tipos de droga – o crack, para citar somente este caso, tem capacidade de gerar um número maior de usuários compulsivos, principalmente entre a população pobre que não tem acesso a drogas caras –, permanece válida diante de um quadro mais geral de usuários. Por isso mesmo, não tem sentido tratá-los a todos como doentes. Também por isso não é razoável convocar o direito penal, mesmo que por intermédio de penas alternativas à prisão. Dentro da lógica da proibição o consumidor é vitimizado, ou imbecilizado, ou, o que está mais em voga ultimamente, culpado pelo resultados da violência na guerra ao tráfico.
Acontece que no terreno do proibicionismo o diálogo também está proibido, não há lugar para a argumentação, para o convencimento (o capitão Nascimento não tem que se justificar quando enfia um saco plástico na cabeça do bandido, porque, afinal, será sempre para o bem de todos, pela e para a boa sociedade – não há excessos quando os fins justificam os meios, pois, afinal, o capitão, na clássica tensão entre lei e ordem, inventa sua própria lei, quando a lei a quem deve obediência não é suficientemente “boa” para garantir a manutenção da ordem). Aliás, os motivos, os meios e os fins já estão predeterminados, já foram definidos nessa guerra, cumpre demonizar o traficante, o inimigo público nº 1, a personificação do mal, e imbecilizar a vítima, o usuário de drogas.
A lógica do combate não é dialógica. Uma conversa franca sobre drogas implica desnaturalizar ideias, apontar distorções e erros, historicizar conceitos, arrefecer ódios, paixões e medos, substituir a violência pela inteligência, enfim, abrir o debate, voltar à discussão que foi encerrada pela criminalização.
Quando a incriminação de um comportamento deixa de corresponder à opinião de uma grande massa de cidadãos, desaparece a justificativa democrática para manutenção da lei. Se o tratamento da questão do consumo parece caminhar para a adoção de alternativas à prisão ou mesmo da própria descriminalização – o que não significa, necessariamente, ausência de controle por outros meios diversos do aparato criminal –, não seria absurda nem desastrada a adoção de medidas correspondentes em relação à produção e ao comércio de droga. Assim, por exemplo, trocar a prisão do pequeno traficante por trabalho comunitário é medida perfeitamente consequente com a abolição da prisão para o consumidor. Qualquer resposta diferente do proibicionismo rotundo implica, no mínimo, reduzir a resposta criminal também em relação ao comércio de drogas, porque, em última análise, é inconcebível tolerar o uso e, ao mesmo tempo, proibir o comércio. Acabar com a pena para pequenos traficantes não é liquidar com a Justiça. Não há menos justiça sem a polícia. Sem a polícia, sobretudo no específico caso do pequeno traficante, pobre, primário, em sua maioria jovem e sem perspectiva de inclusão no mundo do consumo, padrão atual de felicidade e realização pessoal, o que se reduz é a violência.
A pergunta, e aqui já está manifesta a discordância de opinião com o autor do artigo, não é se a sociedade, há séculos, pune criminosos e estaria disposta a acabar com a Justiça e com o aparato policial, a despeito de sua incapacidade de redução do crime. Cumpre, antes, perguntar se é legítimo um direito que contraria a realidade social dos fatos e, além de se mostrar incapaz de afetar o resultado a que se propõe impedir, acaba produzindo, principalmente entre a população mais vulnerável – os pobres – mais danos do que a própria droga pode trazer à “saúde pública”, sem alterar o status daqueles beneficiados pelo rentável negócio do tráfico.
Importa perguntar, antes, pela natureza do processo pelo qual, através dos séculos, definiu-se o que seria crime e quem seriam os criminosos, distribuindo-se desigualmente a justiça, como nos ensina a história do poder de punir.
Não é verdade que o sistema é ineficiente para prender o traficante. Ele simplesmente não consegue cumprir a promessa de condenar e prender os atores mais importantes no cenário do tráfico e de condenar e prender na proporção em que a norma penal é infringida.
Mesmo assim, o tráfico é o campeão das prisões. Segundo dados do InfoPen, Sistema Integrado de Informações Penitenciárias, do Ministério da Justiça, o tráfico de droga assume a liderança, em dezembro de 2008 – aí já contabilizadas as condenações com fundamento no artigo 33, da Lei nº 11.343/2006 (a nova lei de drogas), do número total de presos no sistema penitenciário brasileiro, ultrapassando as condenações por roubo com emprego de arma (e/ou as demais situações previstas no art. 157, § 2º, do Código Penal).
Um ano depois, dezembro de 2009, o tráfico não apenas continua sendo o responsável pela maior quantidade de presos, como também toma distância do segundo colocado no ranking do encarceramento brasileiro – que, em dezembro de 2009, computados os presos, condenados ou provisórios, e os destinatários de medidas de segurança, tanto de internação quanto de tratamento ambulatorial, de penitenciárias e carceragem da polícia civil de todas as unidades federativas, é de 473.626 (registrado, portanto, um aumento de 22.407 presos em relação ao ano anterior - pode-se observar que o número de prisões por tráfico, em dezembro de 2009 (91.037), constitui quase a quinta parte do número total de encarcerados do sistema (473.726). Esse incremento pode sugerir também – conclusão plausível, que após a despenalização do porte para consumo pessoal, modificação operada pela nova lei de drogas (art. 28, Lei nº 11.343/2006), ocorreu uma “migração”, para a coluna do tráfico (art. 33, ex-artigo 12), de condutas que antes, na vigência da Lei nº 6.368/76, seriam melhor classificadas pelo juiz criminal como porte para uso próprio (art. 16 da lei revogada). O fim da pena privativa de liberdade para o consumidor (art. 28, Lei nº 11.343/2006) poderia explicar uma certa resistência do julgador em relação à mudança legislativa, por conta de uma sensação de impunidade dela decorrente?).
A nomenclatura usada na tabela (roubo “qualificado” e “entorpecente”) é fiel ao texto original divulgado pelo InfoPen. Sabe-se, contudo, que a hipótese do § 2º, do art. 157, do CP, na forma técnica correta, é denominada de roubo com aumento de pena; e que a Lei de Drogas em vigor substituiu o termo “entorpecente” por “droga”.
O tráfico somente vai perder o lugar de campeão das prisões se o segundo colocado – roubo com aumento de pena (art. 157, § 2º, CP) – se somar ao roubo simples, ou ao furto simples ou qualificado.
O tráfico somente vai perder o lugar de campeão das prisões se o segundo colocado – roubo com aumento de pena (art. 157, § 2º, CP) – se somar ao roubo simples, ou ao furto simples ou qualificado.
Enfim, as propostas de redução ou eliminação do direito penal para o tratamento da droga não se conformam a um conceito dado de crime, mas, ao contrário, problematizam a premissa proibicionista, examinando os resultados colhidos até agora pela solução criminalizadora e beligerante. Não é absurdo pensar que, preso, o pequeno traficante poderá ter acesso aos grupos organizados em torno do negócio do tráfico, ou seja, subir de posto no mercado de trabalho das drogas, mas o principal motivo que, a meu ver, fundamenta o tratamento diferenciado ao pequeno traficante é a convicção de que o direito penal não vai conseguir acabar com o tráfico, porém, levado às últimas consequências da pretensão proibicionista, vai produzir uma estatística impressionante de encarceramento, deixando intacta a questão que está na raiz desse problema: não há como alcançar redução de uso com incremento de punição pelo tráfico.
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quinta-feira, 27 de janeiro de 2011
Outra canção de amor
ou
O soneto que não deu certo
Beatriz Vargas
(Depois da leitura do genial trabalho
de Jurandir Freire Costa, Sem fraude nem favor,
Rio de Janeiro: Ed. Rocco, 1998.
Ao Juradir, a quem só conheço “de letra”,
dedico este poeminha)
Quero o amor sensível,
- Eros não foge do mundo -
Quero o amor possível,
Humano, acessível, fecundo.
Quero o amor de agora,
Sem esperar pelo paraíso.
O amor não pede sofrimento!
O amor pede realização,
Ainda que amar não seja preciso.
(Se a morte é o fim do desejo,
O inferno é o desejo sem fim)
Não quero o amor ciumento,
Acorrentado, submisso,
O amor de si mesmo,
Narcísico.
Não quero o amor romântico,
Padecente e suicida,
Amor que devora o outro,
Predador e consumista.
Abaixo o amor contemplativo!
Adornado, bem vestido.
Quero o amor correspondido,
Mesmo com desequilíbrio.
Não me interessa o amor perfeito,
Descarnado e místico,
Mistério e segredo,
Promessa adiada de gozo infinito,
Prefiro o imprevisível,
Recordar o já vivido.
Mesmo aquele que não dura...
(Não é menos verdadeiro o amor que acaba mais cedo).
Não sei definir o amor,
Mas sei que não é sozinho.
É paixão e emoção,
Caritas e cupiditias,
- Por que não pode ser razão? -
Também é afeto, carinho.
É local e universal,
É singular e é plural.
Pode ser ponte ou abismo,
Pode ser amor de pranto,
Pode ser amor de riso.
Pode ser de todo modo,
De todo tempo ou lugar.
Se é ímpar também é par.
Pode ser de perdição,
De luz ou de escuridão,
Pode ser de desatino.
Será público ou privado?
Será adulto ou menino?
Será o fim do caminho?
Pode ser muito ou ser pouco,
Mas nunca será sozinho.
Existe amor in natura?
O amor é natureza
Ou invenção da cultura?
Ciência ou senso comum,
Um pouco de cada um?
Um pouco de cada outro,
Cada um a sua vez?
Não sei definir o amor...
Só sei que o amor que se perde
É o mesmo amor que se cria.
Antes perder o amor que trazer a alma vazia...
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sábado, 15 de janeiro de 2011
Ano novo ou tudo de novo?
Beatriz Vargas Ramos
Não é porque é novo que tem de ser diferente do que já foi. Pode ser, não importa se bom ou ruim, simples repetição do passado. Pode ser o mesmo outra vez.
É bem verdade que todo gesto, todo ato ou movimento é único e singular, se introduzido o dado do tempo. O passado, tal como se deu, é irrepetível. Nesse sentido, tudo é criação ex novo, até mesmo aquilo que se repete. A repetição só é possível porque há um agora, um presente que sucede ao passado, e um futuro que só se realiza como presente e, desde logo, se converte em passado. Hábito é isso, reprodução, no presente, daquilo que já não é (mas que pode voltar a ser, pela repetição). Por isso é também constância e continuidade. É novo, como novo é todo ato a seu tempo, mas não encerra novidade. Não faz diferença com o que foi, não traz mudança, nada transforma, ao contrário, anseia a estabilidade. É permanência, costume. Interessante que hábito e costume também significam roupa, traje, vestimenta. Vertir-se, trajar-se também é, por sua vez, um hábito.
Antenor Nascentes (Dicionário Etimológico da Língua Brasileira, Rio de Janeiro, s/e, 1932, primeira e única edição, exemplar nº 838) informa que a palavra vem do latim hatibu, que significa “estado, modo de ser, postura, aspecto, trajo”. Aurélio Buarque de Holanda (Novo Aurélio Século XXI: o dicionário da língua portuguesa, Rio de Janeiro, Nova Fronteira, 1999) também traz essas definições de hábito. Interessa-nos a primeira: “disposição duradoura adquirida pela repetição frequente de um ato, uso, costume”.
A sucessão temporal proporciona a experiência da repetição, até a mesmice, a invariabilidade, a inalterabilidade, a linearidade, ou, ao contrário, torna possível a introdução de algo novo, de rompimento com o passado, de fratura, de interrupção do hábito, de transformação – e, de novo, estabilização e, mais adiante, outra ruptura...
A experiência do tempo mostra que a permanência não existe, mas isso não nos impede de desejá-la ardentemente, a começar pela nossa própria existência. A instabilidade atormenta e a ela não nos acostumamos. O passar do tempo se converte em finitude e, com isso, impossibilidade de voltar a ser. O sentido trágico da condição humana é evidente: a ausência de futuro – e a impossibilidade de retorno ao passado, a irreversibilidade, de que nos fala Prigogine – é o fim de toda repetição. Inventamos formas de evasão do tempo, ritualizamos a criação, construímos a regra, buscamos regularidades no universo, seja por intermédio da ciência ou da magia. Janine Ribeiro já disse que a astrologia e a ciência têm a mesma pretensão de prever o futuro e controlar os fatos, antecipando o que está por vir, aniquilando a surpresa. O tempo é a mais dinâmica de todas as regularidades e a mais reveladora prova da finitude, da provisoriedade. É nele que desaparecemos. Somos provisórios. Contamos o tempo que nos foge a cada segundo, porque necessitamos da previsão, e nem por isso deixamos de querer eternizá-lo, aprisioná-lo. Repetir é um modo de parar o tempo. Por isso, “cumpre imaginar Sísifo feliz”, como diz Albert Camus, lembrado por Roberto Aguiar em seu texto genial, Os filhos da flecha do tempo.
A memória é uma estratégia de estabilização do fato e, com isso, uma forma de vencer o tempo. Trazer de volta o passado é, ao mesmo tempo, nosso triunfo e nosso fardo, porque nem tudo o que está no passado deve ser trazido de volta pela memória ou pela repetição. E, no entanto, talvez pelo hábito, pelo medo diante do novo, do imprevisível, ou pelo vício, pela incapacidade de governar nossas próprias reações, repetimos também aquilo que não queríamos repetir.
Lançados na experiência da vida, desperdiçamos as oportunidades de mudança, não enxergamos as condições que tornam possíveis novas ações e novos resultados. Execramos o erro, o risco e a dificuldade e inventamos mentiras que nos confortam e nos livram de avaliar nossos próprios atos – mas nem por isso somos menos rigorosos com os atos alheios. Amamos a segurança do caminho batido e temos dificuldade de imaginar nossa felicidade fora das certezas. Não fazemos perguntas se não sabemos, antes, as respostas. O que queremos, no fundo, é retornar à segurança do berço, à proteção do útero ou do ovo. Como disse Estanislao Zuleta, “Adão, e sobretudo Eva, têm o mérito original de nos ter livrado do paraíso, nosso pecado é que ansiamos regressar a ele”.
Somos cegos, de uma cegueira branca como a de que nos fala o Ensaio, de Saramago. Ora, mas se é o desafio que nos mantém vivos! A estabilidade é a morte, o fim de toda busca e de toda interrogação. É paralisia, é repouso. A vida está na possibilidade de mudança, na renovação das incertezas, na diversidade das soluções, na complexidade dos problemas, na abertura para horizontes distintos antes impensáveis, porque fechadas, pelo discurso das verdades universais, as vias das trocas de conhecimento. O malestar que nos provoca a ideia de crise é filho de nossa obsessão por segurança e da nossa afeição pelo dogma, que não pode ser superado, ainda segundo E. Zuleta, sem abrir imediatamente a “questão essencial da angústia”, a perda da identidade, a questão de se saber “quem sou eu agora que não penso mais assim?”
A crise, segundo Edgar Morin, “se manifesta não somente como fratura no interior de um continuum, perturbação de um sistema até então aparentemente estável, mas também como crescimento das eventualidades, isto é, das incertezas”. Mas o processo da crise não apenas desorganiza, também reorganiza – no sentido, talvez, uma nova estabilidade provisória e temporária.
Por que não podemos mudar? Como pretender alguma mudança no mundo que nos cerca se não somos capazes de mudar a nós mesmos? Por que não podemos ser uma metamorfose ambulante? O que precisamos conservar senão a vontade de crescer em equilíbrio com os demais viventes, permitir a vida e resistir ao vazio, recolocando sempre, em constante processo de tensão, a pergunta sobre como estarmos felizes sem ostentarmos tantos símbolos, tantos teres e haveres, sem precisarmos de um guia, sem precisarmos de vassalos, sem ter que nos subordinar a ninguém ou ser por alguém subordinados? Podemos tentar o equilíbrio entre ser águia e ser formiga ao mesmo tempo, como diz o Professor José Carlos Reis. Podemos tentar enxergar de outras janelas ou nos render ao mistério ou nos contentarmos com o conhecimento provisório e precário. O terror não está na mudança, está em nossa falta de coragem para assumir a necessidade da transformação.
Por isso, bem vinda seja a crise! O futuro não está garantido, jamais estará, mas é preciso reverter alguns processos em curso e deflagrar outros, para que a humanidade tenha futuro.
Karl Jaspers que, segundo Hannah Arendt, foi um homem que, “sem jamais fraquejar”, se opôs a Hitler desde o começo do regime nazista, dizia que “se o homem quer viver, deve mudar”.
Em nome da mudança, desejo a todos um ano crísico, como diz Edgard Morin. Um ano crísico em relação aos processos imbecilizadores da mídia de massas, para que nos seja possível enxergar o mundo fora dos marcos autoritários de um falso consenso; em relação aos processos avassaladores em favor da morte, às pretensões totalizadoras de ódio e de preconceito, envoltas no fundamentalismo religioso e no fanatismo; aos projetos de aniquilamento, de aprisionamento, de exclusão e de guerra; aos projetos de voracidade de lucro e de consumo desenfreado sem respeito à vida no planeta; de poder e de controle global que nos levarão ao desequilíbrio extremo e, certamente, ao desaparecimento.
Essa é chamada de flor do papagaio, a Leda que mandou pra mim, é linda, de verdade. Beijo, Ledinha!
Tem mais!
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sexta-feira, 14 de janeiro de 2011
A última flor da terra
(Para o Carlos)
Quem vive o amanhecer do teu dia claro,
Quando o sol reparte as folhas das castanheiras
E desce pela estrada no mar azul do horizonte,
Quem bebe do teu beijo sorrindo
Como bebe o vinho da romã vermelha
E abre os olhos em tuas mãos macias,
Quem anoitece ao teu lado e adormece e sonha
Na calmaria branca dos travesseiros,
Quem ouve teu choro dentro da noite escura
E conhece todos os teus medos,
Quem te escuta contar a lenda do besouro verde
Quando tua alma retorna à floresta espessa de onde vieste,
Quem está contigo enquanto o tempo da velhice chega
E a morte cega vagueia por entre as névoas cinzas do caminho etéreo.
A quem clareias no amanhecer do teu dia,
Quando o sol se deita sobre as castanheiras
E atravessa as águas de um longínquo mar vermelho,
Quem bebe do teu vinho abundante
Como bebe o beijo macio da romã branca
E abre as mãos ao teu olhar-sorriso,
Quem adormece a teu lado e anoitece calma
No sonho azul dos travesseiros.
Quem escuta teu medo dentro de teu choro
E conhece o breu das noites que atravessas,
Quem te ouve contar a lenda da floresta,
Quando se liberta o besouro verde de tua alma,
Quem está contigo enquanto a morte cinza chega
E o tempo da velhice espreita por entre as névoas da cegueira eterna.
Ouve, amor,
Ouve a música de tuas cordas roucas,
Vê, essa mulher sou eu,
Na primeira noite ela dança sob a luz da lua cheia,
Segue os tambores selvagens da tribo primitiva,
Desaparecida entre o cetim lilás que cobre tua memória,
Ela já foi bela,
Um dia foi atriz,
Hoje é tenaz e louca,
Na segunda noite ela canta e delira e queima os cabelos no fogo de uma febre alta.
O amanhã traz teu amor de volta...
...E não é pouco.
Cumpre aceitar e estar feliz de novo.
Ontem perdeu tuas sementes em solo estéril,
Mas ainda há tempo de salvar a última flor da terra...
(Beatriz, em 12 de janeiro de 2011)
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quinta-feira, 13 de janeiro de 2011
Ainda temos cachaça
Onde estão nossos heróis, com seus helicópteros, aqueles mesmos que subiram o morro do Alemão, agora que os pobres do Rio de Janeiro morrem com a chuva? Não temos ação de salvamento. Nem perdemos tempo com isso. (É um absurdo pensar que poderíamos ter algum plano a ser executado! Ora, são as forças da natureza, simplesmente. Nos conformemos com a vontade de Deus!) Há câmeras e luz, mas nenhuma ação, só desespero. E espera. Nenhum herói aparece. Ninguém acode ao pedido de socorro, ninguém pinta a cara para a guerra, não há glória, não há glamour, não há nada. Tudo vira silêncio. Tudo vira discurso. Não temos armas contra o turbilhão. Podemos prevê-lo, podemos saber onde ele vai devastar, mas não temos dinheiro para prevenir a catástrofe – o dinheiro vai para a guerra. Podemos apenas consentir que a catastrófe continue fazendo suas vítimas longe dos shopping centers, longe das vitrines elegantes, longe da festa do consumo. Não há defesa civil, não há força de segurança nacional nessa hora.Tudo vira água. A água leva os desamparados e devolve seus cadáveres. O de sempre... pobre morrendo. O lucro vai para as funerárias e os coveiros não têm pá suficiente para cavar tanto. Ainda temos cachaça! O Estado intervem com abundância de recursos e tecnologia bélica para exterminar traficantes pobres, mas não existe Estado para salvar a pobreza da catástrofe das chuvas... crônica desde sempre anunciada, que poderia não existir, ao menos não nas circunstâncias e na proporção que se vê agora, ou que poderia não fazer tantas vítimas, se houvesse um mínimo de preocupação com as condições de habitação das pessoas e respeito ao meio ambiente. Temos dinheiro para matar, mas não temos dinheiro para a vida. Até quando vamos apostar na política pública da morte, na política da exclusão da vida? Esse é o nosso projeto de segurança pública? Ele serve ao morador do barraco? Segurança pública não tem nada a ver com qualidade de vida da população? Até quando vamos admitir a barbárie? Onde estão, agora, os nossos heróis? O carnaval está chegando. Temos olimpíadas e futebol e novela... Tiririca no Congresso, a mulher do Michel Temer desfilando em Brasília, os bancos continuam lucrando, novo Big Brother. Tudo não passa de mais um espetáculo. Ah! Como somos felizes! Brasileiros, bem vindos a 2011!
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quarta-feira, 22 de dezembro de 2010
Glutinum mundi
Beatriz Vargas Ramos
Posso gritar no meio da praça que dá igual...
Ninguém me ouve, mas eu acabo de dar meu voto para eleger presidente, governador, deputado, senador.
Na era da comunicação, não consigo comunicar aquilo que não é comunicável contra aquilo que, sim, é comunicável.
Há comunicação possível contra a comunicação de massa? Toda comunicação se perde na massa, sem seleção? O mercado já elegeu o que é comunicável. Será que sou minoria (grupo que, sozinho, é menor que a metade do grupo inteiro)?
O sentimento é de imobilidade, de incapacidade de ação.
(Eu sou um inseto asqueroso do qual ninguém se aproxima, não posso me mexer porque estou de pernas para o ar, mas ainda assim posso falar, posso aparecer, mesmo que por alguns minutos numa das quatro telas dessa realidade assumidamente ficcional do presente...)
Tudo pode aparecer, pode ser visto, mostrado, exibido e, na sequência, engolido, engolfado pela massa de informação, retornando à inércia, à posição inicial.
Nada acontece se alguém tenta mudar alguma coisa.
Qualquer modificação é passageira e se derrete, se deforma e tudo retoma a ordem natural do universo.
Todos continuam comprando e consumindo.
(Quando eu morri, já velha e ainda jovem, não precisava mais de nada disso, depois voltei na pele de outras jovens velhas, insetos iguais a mim. Eu não sou boa nem bonita e é essa minha vingança. Tão limpinhos eles são, que eu passei a amar a sujeira).
Postado por
Beatriz Vargas Ramos
às
17:28
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