quinta-feira, 27 de janeiro de 2011



Outra canção de amor

ou
O soneto que não deu certo

Beatriz Vargas

(Depois da leitura do genial trabalho
de Jurandir Freire Costa, Sem fraude nem favor,
Rio de Janeiro: Ed. Rocco, 1998.
Ao Juradir, a quem só conheço “de letra”,
dedico este poeminha)


Quero o amor sensível,
- Eros não foge do mundo -
Quero o amor possível,
Humano, acessível, fecundo.
Quero o amor de agora,
Sem esperar pelo paraíso.
O amor não pede sofrimento!
O amor pede realização,
Ainda que amar não seja preciso.
(Se a morte é o fim do desejo,
O inferno é o desejo sem fim)

Não quero o amor ciumento,
Acorrentado, submisso,
O amor de si mesmo,
Narcísico.
Não quero o amor romântico,
Padecente e suicida,
Amor que devora o outro,
Predador e consumista.
Abaixo o amor contemplativo!
Adornado, bem vestido.
Quero o amor correspondido,
Mesmo com desequilíbrio.
Não me interessa o amor perfeito,
Descarnado e místico,
Mistério e segredo,
Promessa adiada de gozo infinito,
Prefiro o imprevisível,
Recordar o já vivido.
Mesmo aquele que não dura...
(Não é menos verdadeiro o amor que acaba mais cedo).

Não sei definir o amor,
Mas sei que não é sozinho.
É paixão e emoção,
Caritas e cupiditias,
- Por que não pode ser razão? -
Também é afeto, carinho.
É local e universal,
É singular e é plural.
Pode ser ponte ou abismo,
Pode ser amor de pranto,
Pode ser amor de riso.
Pode ser de todo modo,
De todo tempo ou lugar.
Se é ímpar também é par.
Pode ser de perdição,
De luz ou de escuridão,
Pode ser de desatino.
Será público ou privado?
Será adulto ou menino?
Será o fim do caminho?
Pode ser muito ou ser pouco,
Mas nunca será sozinho.
Existe amor in natura?
O amor é natureza
Ou invenção da cultura?
Ciência ou senso comum,
Um pouco de cada um?
Um pouco de cada outro,
Cada um a sua vez?

Não sei definir o amor...
Só sei que o amor que se perde
É o mesmo amor que se cria.
Antes perder o amor que trazer a alma vazia...