sábado, 19 de novembro de 2016

Uma conversa na sala de visitas
Beatriz Vargas Ramos

O Roda Viva já não é mais o mesmo. A bancada de entrevistadores, da TV Cultura, Estadão, Folha de S.Paulo e O Globo, proporcionou um clima confortável para Temer e a entrevista seguiu como uma conversa de sala de visitas, mansa e cordial – certamente, mais amena do que aquelas que rodeiam a mesa dos jantares do Jaburu.
Nenhuma polêmica, poucas provocações, afagos e elogios. “O senhor transita muito bem tanto no direito quanto na política”; “um passarinho me contou que o senhor vai lançar um romance”, “o senhor é um diplomata”, “tem excelente relação com o parlamento” e outras sedas. Risos desproporcionais à qualidade das piadas do entrevistado e muita camaradagem.
Na abertura do programa, Augusto Nunes anunciou solenemente: “Como o senhor sabe, a conversa com o Presidente da República se trata do momento culminante dos festejos pelo aniversário do Roda Viva, que está completando 30 anos”. Pouco mais velho que a Constituição da República de 88, o Roda Viva também está mudando para pior. 
Coube a Eliane Cantanhede, única mulher da banca de cinco jornalistas, os beliscões. Veio dela uma pergunta mais atrevidinha que Temer não conseguiu responder. Considerando que o discurso de defesa da PEC dos banqueiros já deveria ter sido bem decorado, o entrevistado surpreendeu pela extrema fragilidade da resposta. A jornalista tucana pediu a Temer que indicasse qual é a “mágica” para continuar gastando sem aumentar receitas. Se houve aumento do “Bolsa-Família”, do “Minha Casa, Minha Vida”, aumento para “categorias do serviço público”, se a situação do Estado do Rio não tem solução e, com certeza, “vai cair no colo da União”, enfim, como é que o governo vai continuar gastando sem aumentar impostos? Depois de dizer que a “mágica” é o orçamento, Temer se corrigiu e afirmou que não tem mágica. Na sequência, discorreu longamente sobre os aumentos concedidos que, segundo ele, foram “contratados por escrito no governo passado”, passando a impressão de que apenas lhe competiu cumprir uma “obrigação” assumida pelo governo deposto.
Ninguém se lembrou das pautas-bomba nessa hora, ninguém se atreveu a perguntar sobre o efeito dos boicotes liderados por Eduardo Cunha. Nenhuma interpelação ou interrupção, apenas o silêncio solidário da bancada de entrevistadores que contemplava apreensivamente o entrevistado, enquanto seu discurso repetitivo e lento se arrastava. E o velho e experimentado político, acostumado com a retórica formal, tentava encontrar o caminho das pedras, apegando-se, volta e meia, à comodidade de seu mundo mais familiar, o “juridiquês”. Ao final, esboçou uma resposta que beira o ridículo: as receitas virão da repatriação de verbas das contas do exterior. Pronto, estamos salvos! Ou deu branco no Temer ou, quem sabe, preferiu não se enveredar por caminhos mais arriscados como, sem dúvida, são aqueles que exigem uma boa justificativa para a PEC 55. Não apenas uma justificativa, mas, sobretudo uma fala honesta e aberta sobre a filosofia da austeridade e do sacrifício do povo, receita ideológica inspiradora da proposta de teto para os gastos públicos por 20 anos. O certo é que a pergunta não foi respondida. 
Acudiram o entrevistado, não apenas o silêncio da bancada em momentos cruciais, mas também o desvio de assunto, a providencial pergunta que conduz a outro tema para, quem sabe, proporcionar melhores condições de resposta. Trata-se de uma estratégia conhecida nas interlocuções simpáticas, um caminho da sala de visitas à varanda, algo do tipo “agora venha por aqui onde o senhor pode respirar um ar mais puro e ficar mais à vontade”.
Outros recursos amistosos de humor aparentemente ingênuo foram utilizados para construir alguma simpática tolerância exatamente em relação ao que se observa como defeitos de uma identidade anacrônica e elitista: “o senhor não usou mesóclise nem uma vez!”. Seguiram-se risadinhas complacentes. Ao que Temer reagiu: “tentá-lo-ei”. Cantanhede aplicou outro beliscãozinho: “o senhor foi proibido de usar mesóclise por sua assessoria”. E outro jornalista, de pronto, amparou gentilmente o entrevistado: “Mas ele acabou de usar”...
A PEC 55 foi poupada. Nenhuma discussão interessante foi proposta a seu respeito. A opção foi passar a imagem de um Presidente da República que chegou legitimamente ao poder. Ele apelou aos votos que o PMDB angariou para a chapa e se afirmou amparado pela Constituição da República. 
Temer é enfadonho e sem graça, mas, devemos admitir, é elegante. Como convém aos elegantes, fez apenas acusações indiretas e evasivas ao “governo anterior”. Enquanto suas pequenas mãos se abriam e fechavam sobre si mesmas, como um bailado de dois leques de organdi, róseos, suaves e engomados, prometeu coisas que não poderá cumprir. A PEC 55 não colocará “o País nos trilhos”, ao contrário, nos levará de volta ao mapa da fome. Aos elegantes igualmente não convém tocar no assunto da fome, um tanto desagradável para o dia do aniversário de 30 anos de um programa que vai ao ar no horário nobre e que, ao menos desta vez, também entrou nos lares de quem bateu panelas no interesse das elites que tanto admira. Temer não deixa de ser membro de uma elite admirada por muitos. Talvez nunca tenha cometido um palavrão. Cruz credo!
Ao final da entrevista, ponto alto, foi a vez do amor. O entrevistado caprichou na versão romance de novela das sete ao oferecer ao público uma pequena história de seu casamento com Dona Marcela. Podemos dizer que a história é coerente com o retorno do primeiro-damismo. Por tudo isso, compreende-se melhor a frase com que o entrevistado saudou a banca de jornalistas do Roda Viva do dia 14/11/16: “Cumprimento vocês por mais essa propaganda”!
Como disse Igor Silva (no Jornalistas Livres), o dia do aniversário do Roda Viva foi também o dia da “morte do jornalismo”. Meus pêsames à TV brasileira.
Mais do mesmo...

Beatriz Vargas Ramos


A receita econômica inspiradora da PEC 55 não é novidade. Corte de gastos primários e austeridade são remédios que já foram testados pela União Europeia e quase mataram o paciente - como agora admite o próprio FMI. O governo Temer, apesar disso, insiste em tratar a economia brasileira com essas mesmas drogas, repetindo insistentemente o mesmo bordão: o corte de gastos públicos atrai a confiança dos investidores, estimula os gastos privados e coloca a economia "nos trilhos" - expressão usada por Temer em pessoa na última propaganda governista promovida pelo Roda Viva, na TV Cultura. Desde 2015, ainda no governo Dilma, já estamos cortando gastos e investimentos públicos. Não está dando certo. Apesar da intensidade da crise, a proposta agora é aprofundar essa política equivocada, sob o argumento de que os cortes não foram suficientes - algo do tipo "se o remédio não fez efeito é porque a dose não foi suficiente". A PEC 55 se propõe a triplicar a dose por 20 anos. O "paciente" - a economia real brasileira - não deu sinais de melhora, indicador importante de que o remédio não faz efeito, mas a expectativa de cura é forte. Com base na expectativa, apesar de descolada da realidade econômica real, a equipe "médica" aposta em mais do mesmo. O diagnóstico está fundado na crença de que a cura da doença se baseia na boa expectativa (fé no resultado) e não nos sintomas do doente. Tem tudo para dar errado. Se não é o diagnóstico - e principalmente o prognóstico - que orienta o tratamento, o que explica a insistência de mais do mesmo? A resposta não é difícil: é a cegueira provocada pela partidarização da discussão. Nesse meio tempo, o paciente, cuja doença apenas se agravou, pode ir ao óbito. Como diz Laura Carvalho: "Os crentes não admitem que as expectativas possam estar contaminadas pela retórica política, e que, sendo esse o caso, a economia não necessariamente vai obedecê-las". Os economistas de Temer estão mais para curandeiros do que para médicos de verdade. Ou barramos a PEC 55 ou já podemos encomendar a missa de sétimo dia.

quarta-feira, 2 de novembro de 2016

Longes Minas (versos capengas)

Minas, longe de ti
Te conheço mais
Te amo e te odeio mais
Minas, meu porto, meu cais
Chegadas e despedidas
Minas das minhas vidas

Adeus, Minas, nunca mais...