sexta-feira, 1 de outubro de 2010

Eu, espectadora ( 2 )


Hoje em dia eu tenho a sensação de que os outros vivem enquanto eu observo.
Eu assisto a vida que é vivida pelos outros.
O filme da vida passa,
a escola de samba da vida passa na avenida,
e eu expecto.

Tenho a sensação de estar fora da mesa do jogo,
De não tomar parte, de "não estar lá".
Espectro.

Estou na plateia, fora da torcida.
Desaparição..

Eu não vivo a vida disputada no momento vivo,
na aceleração do dia,
na entrada do metrô,
na arena ruidosa,
nesse correr asfalto,
nesse subir e descer de ônibus,
entrar e sair de fila,
qualquer fila
– fila da promoção do supermercado, fila da padaria, do banco, da boate,
do transplante, do autógrafo –
Esse sublime instante do nada,
irrealizável, como futuro,
perdido, como passado...

Esse deixar passar o tempo,
esse desvalor do tempo,
desperdício...
Esse prosaico carregar de sacolas de compras,
bater perna por aí
ou seguir o trânsito.

Essa dureza da vida,
carregar pedra, empilhar tijolo,
esse descascar abacaxi...

Esse desfrutar a vida,
viajar, festejar.

Também esse fazer figura, se inscrever, se inserir, se produzir, disputar,
fazer escova, chapinha, maquiagem,
namorar,
se envolver em algum escândalo local ou nacional,
sair na TV,
jogar na loteria,
tomar um porre no bar da esquina,
sair com as amigas
– ai que inveja de quem sai com amigas... –
Gargalhar, muito, gargalhar...

Esse quotidiano existe sem mim
e apesar de mim.
Esse acontecer,
esse correr riscos.
essa tragédia,
essa representação banal,
essa vida-novela-vida,
esse "aqui e agora".
esse presente que nunca termina...

Brigar e bater o telefone,
chorar pelo amor perdido.

Estrear vestido novo,
ver-no-que-vai-dar,
Simplesmente viver.
Laissez-faire, laisse passer...
Olha a chuva, olha a cobra!
Saravá! Anarriê!

Tomar parte, tomar partido, defender, acusar,
se integrar à vida, sem interrogar a vida,
simplesmente aceitar.
permitir a vida,
sem ressalva ou condição.

Sem pensar nem refletir,
sem precisar ou definir a vida,
sem problematizar.
Gozar a vida e sofrer a vida,
ir com a maré,
não resistir,
se deixar levar, se deixar viver...
Aceitar a vida, o bom da vida.
A pena da vida...o difícil da vida.
Tragar a droga da vida,
respirar, inspirar, injetar, sonhar.
Se conformar, aderir.
Sem reação, revolução.
Nada de conflito,
sublevação, oposição,
nenhum atrito, nenhum esforço,
sem desconforto.
Que venha o perigo,
Que venga el toro!
Apocalipse-me now!
Viva os Hooligan!

Torcer pelo time de futebol?
– pobre de mim, como eu odeio futebol! –


quarta-feira, 29 de setembro de 2010

Carta aberta à Dona Weslian Roriz

Prezada Dona Weslian,
Esta é primeira vez que vou votar em Brasília, é meu primeiro voto como eleitora domiciliada no DF. Eu estréio como eleitora na sua avant-première de candidata. Não era bem essa a estréia que eu imaginei pra mim (não sei se esse é também o seu caso...)
Desculpe-me, Senhora Roriz, mas estou desapontada. Explico. Embora eu saiba que voto não é tudo – e na verdade é muito pouco –, eu dou valor ao meu. Como, aliás, acho que faz a grande maioria – quero crer – dos eleitores brasileiros e a imensa maioria dos eleitores do DF.
Nós, os eleitores, temos, neste ano de 2010, motivos de sobra para valorizar nosso voto. Por quê? Porque nós eleitores podemos fazer o que a Justiça Eleitoral e o Supremo Tribunal Federal juntos não fizeram. Cada um de nós, nos poucos minutos de que dispomos, naquela intimidade cívica que mantemos com o aparelhinho da tecla verde, naquele lugarzinho protegido de todos os olhares e sensacionalismos, antítese do Big Brother, cantinho pequeno, secreto e confortável, “indevassável”, como diz a lei, quase um útero, ali, em absoluto silêncio, nós, sim, é que somos Supremos!
Nós podemos muito mais do que pode qualquer autoridade, porque ali na cabine eleitoral somos nós a autoridade maior. Podemos, com o nosso voto, o que queremos, sem limites e sem intermediários. Sim, porque naquele momento a única lei a quem devemos obediência é a lei da nossa consciência. Nós podemos aplicar a regra da ficha limpa, mesmo sem demagogias parlamentares, a despeito da existência de qualquer lei de ficha limpa, com ou sem princípio da anterioridade eleitoral.
Eu disse antes, Senhora Roriz, que estou desapontada, porque, parece-me, sobretudo depois de assitir ao debate de ontem, dia 28/09, entre candidatos ao cargo de governador do DF, que contou com sua participação, que a senhora não está levando a sério a própria estréia. A senhora não dá pra isso não, Dona Weslian... Mal conseguia ler a cola que levou de casa, mal pôde repetir o texto que lhe prepararam, como esperar que nós, eleitores possamos acreditar que é Dona Weslian quem vai governar o GDF, e não o candidatomaridofichassuja que se esconde por trás de sua emocionada e sensível figura?
Que mico, heim, Dona Weslian?! Que vergonha, que saia justa!... A senhora topa ir pro sacrifício, patético avatar do verdadeiro aspirante à governança do DF, a senhora topa dar a cara, simpática e bochechudinha, no lugar do marido-candidato. Claro, mais pelo marido do que pelo candidato! Tudo em nome do amor! Do alardeado e incansavelmente invocado amor pelo marido. A senhora aceita ser o plano B. Belo presente de 50 anos de casamento! Mas, aqui entre nós, Sra. Roriz, que marido é esse que põe a mulher para pagar esse mico, heim?! Aliás, eu não deixaria minha mãe numa situação dessas. Coitada da senhora, haja coração, não é verdade? O amor é cego, não é, Dona Weslian? O amor cega, Dona Weslian...
Tudo muito bonito, mas, desculpe, Dona Weslian, para chefiar o GDF nós não precisamos do seu amor pelo Joaquim Roriz. Tivesse a senhora ao menos um pouquinho de respeito pelo povo do DF, um tantinho ao menos de consideração pela boa política, alguma simpatia pelos princípios da administração pública, pelo pluralismo democrático – ô, Dona Weslian, nem todo mundo pensa exatinho como a senhora e nem por isso merece ir para o inferno!... – a senhora, patriótica e elegantemente, teria recusado o convite de bancar o fantoche do verdadeiro aspirante ao governo do Distrito Federal.
Vivemos tempos de abundância de crônicas públicas de amores privados e de crônica privação de amor pelo público, pelo coletivo. O jogo político, principalmente o jogo eleitoral, imita a estética da novela das oito, é um vale-tudo emocional, promessa de gozo, de final feliz. Ganha quem consegue apelar para a satisfação emocional individualista. Por isso mesmo, do ponto de vista eleitoral e propagandístico, não é ruim a estratégia de colocar a senhora à frente da campanha carregando o estandarte do amor de esposa. A mulher tudo pode em nome do amor, não é assim? Tudo se perdoa da mulher que ama... Esse amor esponsal burguês vende novela, vende filme, revista, roupa, academia, jóia, camisinha e viagra... por que não renderia votos?
Com o que a senhora aprendeu ao longo de 50 anos na cartilha política do seu marido, um calmante, um bom tailler e duas ou três frases de amor – ou somente com o nome Roriz – a senhora já vai ganhar muitos votos. Não sabemos ainda o final dessa novela, mas a sorte é que nem todos gostaram da trama...
Beatriz Vargas Ramos

segunda-feira, 27 de setembro de 2010

Outro poema é preciso

Brasília
- ou o poeminha que eu cometi para Brasília –

O homem deveria ter nascido com rodas nos pés...
Ou asas?
Não, asas, melhor em São Paulo.
Brasília tem mais distâncias entre dois pontos,
tem mais chão.

Muitos Ibirapueras...
Ibirapués, Brasília!
(E o que será de mim?)

Aqui tem lago
- Pretexto de pontes –

Aqui tem fontes
De água mineral.

Juro que tem carnaval.

Tem invasão
- um pedaço “Paramois”! -

Tem contrabando?
Tem.

Também tem bando contra
E bando a favor.

Vitrine de arquitetura.
Planuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuura...
 - Central -

O verde é capital.
O vermelho também.
Quem disse que não tem
vermelho na bandeira nacional?

Brasília,
o céu mais lindo do Brasil,
o mais formoso céu,
o mais azul,
risonho e límpido
onde a bandeira brasileira
mais bonita resplandece.

Brasília é Nordeste
No Centro-Oeste
É Sampa, Rio, BH
Juiz de Fora
Rochedo de Minas
Ouro Preto, Diamantina
Itabira, Itabirito
Varre-Sai
Espera Feliz
Porciúncula
Natividade
Guaçuí
Muriaé
Catas Altas da Noruega
Conceição do Mato Dentro
Santa Bárbara do Tugúrio
É Alvorada, Pedra Dourada,
Carangola,
Tombos...

Não quero morrer em Brasília,
atropelada.

Também não vou me jogar da janela
do hotel onde Clarice ficou hospedada.

Nunca fiquei presa no elevador,
em Brasília.
Em Brasília eu nunca usei tailler.

É inútil procurar por montanhas...
Montanhas, pra quê?
Se os belos horizontes são infinitos?
(As montanhas aos cabritos!)

Ganhei um bilhete só de ida pra Passárgada
Mas não vou.
Não quero.
Eu quero ir mesmo é pra Mororó...

Me leva, meu bem, pra Mororó.

(Beatriz Vargas Ramos –
no dia 13, depois de um ano,
entre maio de 2004 e maio de agora)