Picolate
de chocolé
Beatriz
Vargas Ramos
“Pai!” – a menina puxa
a barra da camisa do homem – “Pai, eu quero picolé!” Sem soltar a camisa dele,
ela indica com a outra mão a carroça de madeira e ferro que vai descendo a rua
em direção à avenida. O pai continua subindo a rua e a filha volta a puxar sua
camisa. “É pra lá, pai, é pra lá! Ó, ele tá indo embora!” O homem interrompe a
marcha e olha a criança que agora agarra sua camisa com as duas mãos. “Você
quer um picolé?” “Quero!” “Picolé de quê?”
A carrocinha estaciona
a um quarteirão e meio antes da avenida e é cercada por um grupo barulhento de jovens
de cabelos coloridos, com espinhas no rosto e tatuagens nos braços. “Olha, pai,
o carrinho parou, vamos!” Mas o homem continua estacionado.
“Picolé de quê?”
“De chocolate, pai,
vaaaamos!”
“Então você quer um picolate de chocolé?”
“Não, pai, é picolé de
chocolate!”
“E se não tiver de
chocolate?”
“Se não tiver de chocolate
pode ser de morango.”
“Ah, então você não
quer mais um picolé de chocolate?”
“Não! Sim!... De
chocolate... mas também pode ser de ser de uva.”
“Ué, você já mudou para
uva?!”
“Paaaaaaai... Alá, o
carrinho tá indo embora de novo...”
“Mas você ainda nem
sabe qual picolé vai querer!”
“Eu sei sim, é de
chocolate!”.
“Picolate.”
“Pai, é cho-co-la-te!”.
“Eu ouvi morango?”
“Não!”
“Ah! Limão, agora
entendi.”
“Chocolate, pai, chocolate,
chocolate, chocolate!”
“Picolé de quiabo?!”
“Não tem picolé de
quiabo! Eu odeio quiabo!”
O homem desliza seus
dedos grandes pelos cabelos fininhos da menina que está emburrada, com os
braços cruzados, as mãozinhas enfiadas embaixo das axilas. Ele continua
sorrindo, se agacha e canta uma musiquinha qualquer sobre uma menininha-que-comeu-tanto-doce-que-ficou-com-dor-de-barriga.
A carrocinha já atravessou a avenida e desapareceu do outro lado. Os jovens
devoraram seus picolés e agora jogam os palitos no chão. A menina tampa os
ouvidos com as palmas das mãos e fecha os olhos tão apertadinhos que chega a
franzir o nariz. “Picolé não é doce!”
O homem a toma no colo
e volta à caminhada. “Quer subir a rua de cavalinho?” Ela está de tromba. Põe a
língua pra fora e grita que não gosta de brincar de cavalinho.
* * *
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