sexta-feira, 15 de janeiro de 2021

Picolate de chocolé

 

Picolate de chocolé

Beatriz Vargas Ramos

 

“Pai!” – a menina puxa a barra da camisa do homem – “Pai, eu quero picolé!” Sem soltar a camisa dele, ela indica com a outra mão a carroça de madeira e ferro que vai descendo a rua em direção à avenida. O pai continua subindo a rua e a filha volta a puxar sua camisa. “É pra lá, pai, é pra lá! Ó, ele tá indo embora!” O homem interrompe a marcha e olha a criança que agora agarra sua camisa com as duas mãos. “Você quer um picolé?” “Quero!” “Picolé de quê?”

A carrocinha estaciona a um quarteirão e meio antes da avenida e é cercada por um grupo barulhento de jovens de cabelos coloridos, com espinhas no rosto e tatuagens nos braços. “Olha, pai, o carrinho parou, vamos!” Mas o homem continua estacionado.

“Picolé de quê?”

“De chocolate, pai, vaaaamos!”

“Então você quer um picolate de chocolé?”

“Não, pai, é picolé de chocolate!”

“E se não tiver de chocolate?”

“Se não tiver de chocolate pode ser de morango.”

“Ah, então você não quer mais um picolé de chocolate?”

“Não! Sim!... De chocolate... mas também pode ser de ser de uva.”

“Ué, você já mudou para uva?!”

“Paaaaaaai... Alá, o carrinho tá indo embora de novo...”

“Mas você ainda nem sabe qual picolé vai querer!”

“Eu sei sim, é de chocolate!”.

“Picolate.”

“Pai, é cho-co-la-te!”.

“Eu ouvi morango?”

“Não!”

“Ah! Limão, agora entendi.”

“Chocolate, pai, chocolate, chocolate, chocolate!”

“Picolé de quiabo?!”

“Não tem picolé de quiabo! Eu odeio quiabo!”

O homem desliza seus dedos grandes pelos cabelos fininhos da menina que está emburrada, com os braços cruzados, as mãozinhas enfiadas embaixo das axilas. Ele continua sorrindo, se agacha e canta uma musiquinha qualquer sobre uma menininha-que-comeu-tanto-doce-que-ficou-com-dor-de-barriga. A carrocinha já atravessou a avenida e desapareceu do outro lado. Os jovens devoraram seus picolés e agora jogam os palitos no chão. A menina tampa os ouvidos com as palmas das mãos e fecha os olhos tão apertadinhos que chega a franzir o nariz. “Picolé não é doce!”

O homem a toma no colo e volta à caminhada. “Quer subir a rua de cavalinho?” Ela está de tromba. Põe a língua pra fora e grita que não gosta de brincar de cavalinho.

* * *

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