Beatriz Vargas Ramos
Professora da
Faculdade de Direito da UnB
Bolsonaro diz que não mudará seu “estilo”. Ou seja, vai
continuar atacando, agredindo, mentindo, constrangendo as instituições,
desrespeitando os outros, pregando a violência e o preconceito, destruindo os
direitos e acirrando o ódio, enquanto as riquezas e o patrimônio brasileiros
são doados ao estrangeiro, enquanto as políticas sociais são destruídas, a
concentração de renda se intensifica e se aprofunda a injustiça social.
Soa como ameaça? Bem, isso é apenas Bolsonaro sendo
Bolsonaro – ou BolsoNERO, como agora vem dizer o principal signatário do golpe
contra o governo Dilma. Posso estar enganada, mas certamente ele é um dos que
anulou seu voto no segundo turno, porque pensou que Bolsonaro poderia aderir ao
figurino “limpinho e cheiroso, riquinho e branquinho” do PSDB de Dória. Porque
pensou, certamente, que “nada poderia ser pior que o PT” – ouvi isso muito em
2018. Ele é um dos que constrói a “versão paralela” da realidade, desde os
tempos de Eduardo Cunha à frente da Câmara dos Deputados. Mas, enfim, antes
tarde do nunca. Agora, ao que parece, caiu a ficha de Reale Júnior. Bem-vindo à
realidade, doutor!
Ninguém pode dizer que foi enganado. Ah, não, isso não! O
atual presidente da República despreza a democracia e sempre deixou isso muito
claro. Falou várias vezes que não se chega a lugar nenhum por meio do voto e
defendeu uma ditadura militar que matasse 30 mil. Aplaude a tortura e os torturadores.
Invocou Brilhante Ulstra no plenário da Câmara. Nunca censurou a fala do filho,
aquele que ameaçou fechar o STF com um cabo e um soldado. Ele apareceu como
sempre foi. Você é que não quis enxergar. Você estava cego, meio perdido, com
raiva da “corrupção do PT”, sempre do PT, né? Já consegue enxergar alguma
coisa? Vejamos.
Bolsonaro tripudia sobre o sofrimento alheio ao negar a
fome e a desnutrição no Brasil, ao atacar o presidente da OAB usando, para
isso, de uma “versão paralela” sobre o assassinato de seu pai, ao naturalizar e
apoiar a barbárie dos presídios brasileiros, ao afirmar, cinicamente, que nada
pode fazer sobre o desemprego, enquanto ceifa os direitos do trabalhador,
prometendo certa carteira verde e amarela para quem quiser emprego daqui pra
frente. Esse é o sujeito que se diz cristão.
Esse é o sujeito que ameaça transformar inúmeras áreas do
País numa nova “Serra Pelada”, que diz que a preservação da Amazônia só
interessa aos veganos, que estimula a sonegação fiscal e as infrações contra o
meio ambiente, ataca as universidades públicas, rebaixa a educação, a cultura,
a saúde e a pesquisa científica, que se orgulha de não entender nada de
economia, exibe seu preconceito contra o Nordeste do Brasil, contra negros,
mulheres e homossexuais. Incentiva a violência contra os movimentos sociais,
promete armar a população numa guerra de todos contra todos, nega o assassinato
de indígenas... Enfim, esse é Bolsonaro, sempre foi. Esse mesmo que o próprio
general Ernesto Geisel chamou de “mau militar”. Pois é, as eleições já
passaram, né? O sujeito está lá, brincando de presidente, degradando o cargo,
rebaixando a República, envergonhando quem tem vergonha na cara. Foi colocado
lá pelos homens e mulheres “de bem”, pelos misóginos, pelos imbecilizados,
pelos antipetistas, mas também pelos “sem ideologia”, mas também pelos desiludidos,
pelos desamparados, e, claro!, pelos democratas, mas também pelos neofascistas,
pelos cristãos em geral, pela high class,
mas também pela midle class e pela low class, pelos banqueiros e pelos
empresários, mas também pelos empregados e desempregados e subempregados, pelos
isentões, pelos políticos e pelos que têm aversão à política, pelo MBL e pelo
Vem pra Rua, enfim, pelos que mergulharam fundo na “versão paralela” da
realidade e também pelos espertalhões, punitivistas, vigaristas e vendilhões da
Pátria. Ah, eles existem, você não sabia?
Suavizar o comportamento odioso de Bolsonaro, buscar
eufemismos para defender suas afirmações perversas, dizer que suas palavras são
apenas simples palavras, conviver com esse pesadelo quotidiano - ou fingir que
está “tudo bem” - sem levar a sério as ameaças todas é mergulhar na mesma
“realidade paralela” ou “versão paralela” da realidade, na expressão que Elio
Gaspari usou hoje no jornal O Globo, exatamente para descrever Bolsonaro.
Em tempos de pós-verdade, Bolsonaro nada de braçada. O
que menos interessa são os fatos, a realidade, a verdade. Se eu quiser, Moro é
imparcial, Dallagnol é um bom samaritano, Eduardo Bolsonaro é alguém preparado
para defender os interesses do Brasil nos E.U.A. e, claro, a terra é plana.
Meninas vestem rosa e meninos vestem azul. Jesus Cristo sobe na goiabeira, mas
não sobe na mangueira, você entende? E trabalho análogo à escravidão é alguma
coisa muito diferente da escravidão mesma, né? Bolsonarismos são coisinhas à
toa, sem impacto na realidade, se assim eu desejar. Mundo lindo! Enquanto a
água não chegar ao meu pescoço não existe inundação. Isso não é novidade, mas
em tempos de intensificação de competição e de egoísmo a coisa pode se tornar
regra.
A mais importante disputa em curso é exatamente essa,
Bolsonaro X Democracia. Até quando os partidos políticos e as instituições vão
ficar assistindo da plateia? E o povo? Cadê o povo? A deforma da previdência
está sendo aprovada com as ruas vazias. E o que mais? A única coisa que PT e o
PSOL têm a dizer é Lula Livre? Isso é justo, mas é pouco. Não basta. Onde está
o centro nessa hora? Votando com o governo e ignorando os absurdos do
presidente. Viva Tábata Amaral! Lembra-se? Aquela que quer apagar a diferença
entre direita e esquerda. Muito conveniente, mocinha. Eu digo que sou de
centro-esquerda, mas na hora “h” pulo para o outro lado, afinal, é para isso
que não existem lados e nem classes sociais, não é mesmo?
Está em curso um processo que põe
em risco a democracia e os direitos humanos, a liberdade, a diversidade, o
pluralismo, a empatia, a generosidade, a amizade, a dignidade da pessoa humana.
Não podemos prever o futuro, mas sabemos que as condições para sua construção
estão aqui e agora. Podemos interromper, no presente, o projeto chamado
Bolsonaro, o projeto de morte e de destruição do Brasil. Bolsonaro não vai
mudar seu “estilo”, mas nós podemos recusar o “estilo” Bolsonaro. Antes que
seja tarde demais.
(Publicado em 1º de agosto de 2019, na Carta Maior)