Sem
pressa
Procurava
pelo lugar como o caminhante do deserto busca um oásis. A porta, lilás de
maçanetas brancas, estava entreaberta, mas não havia dúvidas de que se tratava
do espaço feminino. A plaquinha fixada à entrada trazia a gravura envelhecida
de uma jovem de perfil, cabelo curto, a Chanel, segurando entre os dedos uma
longa piteira. Luz acesa. Movi a porta devagar, com cuidado para não
surpreender uma possível ocupante distraída. Não havia ninguém. Tranquei a
porta e me acomodei sobre o assento branco, limpo e macio do vaso sanitário
lilás. E dali, daquele trono que me pertenceria pelo tempo necessário, pude
observar ao meu redor, enquanto reduzia o peso de algumas taças do último
Torrontés Colomé daquela noite. Não tinha mais pressa. A mesa, agora, estaria
bem mais próxima do banheiro.
Banheiro
grande. Um basculante redondo na parede à minha direita, alto o suficiente para
afastar espiões, franqueava a passagem ao ar e aos ruídos – os de fora e os
dentro. À minha frente, a parede sem azulejos, pintada da mesma cor lilás, com
dois quadros sem moldura alinhados na horizontal. No primeiro, Super Man e, no segundo, Homem Aranha.
De costas um para o outro, sentados em privadas iguais, com caixa de descarga
acoplada. Os dois com jornal em punho e calças arriadas – quando foi que
trocaram seus colantts por duas
peças? Na parte inferior das gravuras, letras engraçadas traduziam a moral da
cena: “Não tenha pressa, o mundo pode esperar”.
Abaixo
dos super-heróis, a pia instalada em bancada ampla de mármore branco, toalhas
de pano à direita e do outro lado um frasco de sabonete líquido alaranjado. Perto
dele, toalhas de papel dentro de uma cesta de vime com fitas cor de rosa. Abuso
de lilás e rosa. Um copo de plástico amaçado e caído ao pé do cano que descia
da pia até bem rente ao chão. À minha esquerda, um espelho comprido de madeira
entalhada e um vaso de barro bojudo de onde se erguia uma palmeira de tamanho
mediano, de um tom verde tão profundo e uniforme que me pareceu artificial. No
teto, um lustre em forma de flor. Duas arandelas gêmeas de cada lado da pia.
Luz fraca, amarelada.
Foi
no momento em que me levantava para tocar a palmeira que eu a vi. Arrastava-se
em direção à fresta da porta. Procurava a saída, com certeza, e naquele
instante calculei que talvez pudesse voltar, aterrorizando-me. Esteve ali o
tempo todo e eu não a havia enxergado. Recuei até o fundo da parede à direita,
a do basculante, sem tirar os olhos do bicho asqueroso. Lento, meio tonto,
tinha o abdômen parcialmente esmagado e deixava um rastro fino de baba escura.
Ainda mais escura no contraste com o piso de porcelanato branco. Tive ânsia de
vômito.
O
basculante aberto, de repente, me pareceu ameaçador – outras baratas poderiam
entrar por ali, voando. Tentei fechá-lo, mas tinha agarrado. Só aí notei que o
vidro estava quebrado. Fui até a pia, esgueirando-me pela parede, olhos fixos
na Periplaneta. Foi então que ela parou. Por um momento, estacionada, até a
fazer um movimento rápido e ameaçador de meio círculo e, novamente, estancar em
linha paralela com a base da porta. As antenas se mexiam rapidamente e tive certeza
de que já tinha minha localização exata. Quis gritar. Demorou algum tempo para
que eu agarrasse uma das toalhas de pano. Planejava arremessá-la sobre a criatura,
quando notei que ela já não se movia mais. Havia se debatido na mesma posição
até estacionar por completo.
Um
cheiro de dama da noite invadiu o ar que entrava pelo basculante e a baba
escura se transformara em mercúrio prateado. Foi quando pude ouvir as três
batidas na porta.
Beatriz
Vargas Ramos – Oficina de Escrita – 18/02/2018
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