sexta-feira, 17 de outubro de 2014

Mexeu com ela, mexeu comigo


Beatriz Vargas Ramos

No debate da SBT, Aecim explorou todos os bordões que fazem o delírio dos anti-petistas e, para isso, ele tem a seu favor a desinformação, o ódio ideológico e a “mídia judicante”, para usar da expressão de Nilo Batista. Penso que ele desrespeitou os cidadãos brasileiros, eleitores ou não, ao transformar um debate político, que deveria ser de exposição das propostas que vão orientar o governo dos próximos anos no Brasil, em performance retórica, abusando da ironia e das tiradas agressivas. Infelizmente, ele é quem deu o tom, apostando na estratégia (arriscada) da pancadaria, tudo muito ensaiado e premeditado, sob a orientação de sua equipe de marqueteiros. Fez o estilo “eu mijo grosso!”, ou “aqui tem testosterona!”, tão do agrado dos inimigos da Dilma e do PT.
Dilma não tem retórica de palanque eleitoral ou de tribuna e esse formato de debate – essencialmente igual nas três emissoras, Band, SBT e Globo – não a favorece (e que fique bem, claro, para mim Aecim não é “o” orador e seu estilo é bem anacrônico, até na entonação, principalmente no discurso de palanque, talvez seja de propósito...). Aliás, esse formato de debate, que de debate nada tem, também não favorece o eleitor que está querendo entender as diferenças entre os programas de governo dos dois candidatos.
Quando a conversa é sobre propostas, quando a discussão política ganha nível e complexidade, Dilma é muito melhor que Aecim. É o que aconteceu, por exemplo, nas sabatinas. Quando desafiado a falar do seu projeto de governo, ele não se sai bem, perde o domínio da situação, usa de evasivas para responder sobre assuntos para o quais não está bem preparado, numa palavra, oferece respostas fracas. Ele fica tenso quando tem que falar de política, mas muito à vontade quando a coisa vira briga. Ele e sua equipe sabem que a chance de vitória depende disso, evitar a discussão política e partir para a agressão. Aecim está chamando a Dilma para o campo em que ele se sai melhor do que ela, o terreno da luta livre, da baixaria – embora ele diga as baixarias com aquela pose de “sinhozinho” bem-nascido, herdeiro da Casa Grande, pose de menino educado pela vovó, aquele que não faz orelha no caderno escolar e que não fala palavrão perto da mamãe e do papai.
Do estilo político conservador ele traz outro bordão, aquele de falar em nome de Minas, como se Minas fosse o seu curral e os mineiros fossem o seu rebanho, como se ele – disse a Dilma – “fosse Minas”. E de novo ele teima em repetir que Dilma não conhece Minas Gerais. Num ponto ele tem razão. Dilma não age como sendo desta ou daquela cidade, deste ou daquele Estado da Federação. Ao contrário, o estilo dela é cosmopolita, não está mesmo presa às fronteiras geográficas, ela tem a cara do Brasil inteiro, ela não reivindica nenhuma capitania hereditária, nenhum feudo, ela é uma mulher do mundo, em pé de igualdade com qualquer outro estadista. Acontece que Minas faz parte da história dessa mulher e ninguém pode tirar isso dela. Além disso, Dilma não teme o passado e deve, sim, invocá-lo tantas vezes quantas for preciso. O passado é a memória, ele nos constitui, sem passado não há presente nem futuro. O passado é a história, a experiência, o aprendizado e pode e deve ser aproveitado como ferramenta de construção do futuro. Ninguém dirige sem olhar para o retrovisor.
Está claro que Aecim fez sua aposta na adrenalina, no acirramento dos ânimos, no “combate ao inimigo”. A insistência na “tese”, atribuída aos petistas, da divisão do Brasil entre “nós e eles”, por exemplo, é um chamamento ao confronto. Insistir nessa afirmação, atribuindo essa “tese” aos petistas, é, ao contrário do que parece, esquentá-la ainda mais, colocar lenha na fogueira, não deixar morrer a brasa. Aecim precisa dessa imagem do inimigo para vencer as eleições.
O objetivo do PSDB, desde antes do início da campanha, sempre foi o de minar a Dilma exatamente naquilo em que ela é respeitada, ou seja, sua condição reconhecida de boa gestora. Ela tem um domínio de gestão pública que o Aecim não tem. A ideia tucana, uma vez fracassada a tentativa de colar na Dilma a etiqueta de corrupta, era a de destruir a imagem da gestora. Aí Deus mandou a delação premiada e, pelo que vimos ontem, voltaram a jogar todas as fichas no plano B, buscando identifica-la com o mensalão, por intermédio do vazamento relativo à Petrobrás – que, como se sabe, não é de petróleo, mas de delação. Delação, essa coisa asquerosa que faz do dedo-duro um herói, um arauto da verdade. Quando essa coisa asquerosa chamada delação (que Juarez Tavares e Frederico Figueiredo muito bem definem no artigo “O que se esconde na delação premiada”, na Carta Capital) ameaça se voltar contra o partido de Aecim (o delator aponta o ex-presidente do PSDB, Sérgio Guerra, recebeu propina para esvaziar uma CPI da Petrobrás), ele responde com um ataque feroz, acusando a Dilma de pertencer a uma organização criminosa chamada PT. Aqui o ódio ideológico ultrapassou todos os limites e o respeito ao adversário, que Aecim tanto alega prezar, foi parar na sarjeta, saiu pelo ralo. Ele usa perversamente de um preconceito que pode se voltar contra ele mesmo, o de que todo político é corrupto. Esse preconceito aplicado ao PT toma grandes proporções, em parte, graças à super-exposição do caso na mídia. Muita gente “percebe” o mensalão como sendo o “maior escândalo” de corrupção do País (eu penso que o tempo vai se encarregar de calibrar essa imagem hoje destorcida, mas isso é outro assunto...). O fato é que Aecim se aproveita do preconceito e investe nele fortemente. Poderia ter dado a única resposta que um homem público decente, sobretudo quando aspirante ao cargo de Presidente da República, deveria oferecer, qual seja, a de que nenhuma suspeita pode se transformar em condenação, com base em publicações de trechos selecionados da fala de um delator, menos ainda quando esse vazamento acontece às vésperas das eleições. Se respondesse assim, não seria o Aecim...
Espertamente, ele não se atreveu a fazer nenhuma consideração negativa em relação ao ex-presidente Lula, buscando o isolamento de Dilma, poupando Lula e, sobretudo, poupando a si mesmo de eventuais consequências nefastas de um ataque ao líder carismático do PT. Não somente poupou Lula de qualquer acusação, como também foi simpático nas vezes em que se referiu a ele. Agora, claro, é a imagem de Dilma que deve ser vinculada à corrupção. O ponto alto do ataque foi a grave acusação que Aecim fez contra a Presidenta, ao dizer que “não existe uma terceira opção, ou a senhora foi conivente ou a senhora foi incompetente para cuidar da maior empresa pública brasileira” (a grande ironia é que se dependesse do PSDB, a Petrobrás não seria nem brasileira e nem pública). Aecim escolheu a forma dúbia de acusar. Covardia. Fugiu da fala direta, embora ninguém possa dizer que não tenha acusado. A pior forma de fazer política é com ódio – ou simular o ódio para produzir o efeito da guerra.
Naquela hora, passei mal. Minha pressão caiu, senti um forte enjôo, tive que tomar uma dose de sal de fruta Eno. No sofá da minha sala, assistindo a uma gravação do debate, ensaiei várias respostas. Perdi a compostura. A Dilma não perdeu. Ponto pra ela.
É fácil acusar quando não se tem a responsabilidade de provar. É a lógica do linchamento, deixemos as provas para depois. Acusação produz efeito bombástico e, novamente, acirra os ânimos, causando na falange agressiva aquela sensação de vitória, de humilhação do “inimigo”. Dilma respondeu. Não deixou de responder. E também bateu. Também acusou. Aliás, se a coisa era luta livre, não se pode dizer que ela tenha sido nocauteada, como andaram espalhando.
Eu gostaria muito de ver a Dilma de volta ao debate político de verdade. Vamos ver se o outro candidato vai deixar. Talvez ele repense a estratégia da grosseria e do deboche. Penso que exagerou, passou dos limites. Há um grande risco nessa postura, o feitiço pode virar contra o feiticeiro. Tudo depende do impacto que sua encenação vai causar no eleitor. Até agora, ele conseguiu agradar a quem já havia decido votar nele, mas a outra parte do eleitorado não necessariamente vai querer votar no Rock Balboa para Presidente. Como diz outro recente herói nacional, Bob Jef, também conhecido como Roberto Jeffersson (não sei bem quantos “ff” e “rr” ele tem no nome), Aecim virou Rock Balboa. O filme a gente sabe como termina, mas a eleição pode não sair como no cinema.

Quando Aecim ainda cheirava a leite em pó, Dilma já havia ingressado na militância de esquerda contra o regime militar. A história dessa mulher e sua prática na Presidência são a prova mais eloquente de que ela merece a confiança dos brasileiros. Ao dizer que o homem público ou a mulher pública devem, todo dia e a cada dia, dia após dia, demonstrarem, com suas ações, que estão à altura de desempenhar sua missão, Dilma, a meu ver, foi no ponto certo. Só os arrogantes pensam que estão acima e além de qualquer coisa.