quarta-feira, 15 de julho de 2015

A redução da redução - ou - Como ressuscitar o morto

A redução da redução – ou – Como ressuscitar o morto

Beatriz Vargas
Professora de Direito Penal e Criminologia na UnB

O substitutivo rejeitado na Câmara dos Deputados no dia 1º de julho, a primeira madrugada televisada das rodadas de votação em plenário da PEC 171, é o seguinte:
“Art. 1º. O art. 228 da Constituição Federal passa a vigorar com a seguinte redação:

Art. 228. São penalmente inimputáveis os menores de dezoito anos, sujeitos às normas da legislação especial, ressalvados os maiores de dezesseis anos nos casos de:
I – crimes previstos no art. 5º, inciso XLIII;
II – homicídio doloso;
III – lesão corporal grave;
IV – lesão corporal seguida de morte;
V – roubo com causa de aumento de pena.
Parágrafo único. Os maiores de dezesseis e menores de dezoito anos cumprirão a pena em estabelecimento separado dos maiores de dezoito anos e dos menores inimputáveis.
Art. 2º O art. 227 da Constituição Federal passa a vigorar com a seguinte redação:
Art. 227 .................................................................................................................................
§ 9º O Estado instituirá políticas públicas e manterá programas destinados ao atendimento socioeducativo e à ressocialização do adolescente em conflito com a lei, com a destinação de recursos específicos para tal finalidade, vedado o contingenciamento das dotações consignadas nas leis orçamentárias anuais.
Art. 3º A União, os Estados e o Distrito Federal criarão os estabelecimentos a que se refere o art. 1º desta Emenda à Constituição.”

* * *
Ninguém pôs em dúvida, naquela ocasião, que o tráfico de drogas estava entre os casos em que o adolescente de 16 anos poderia responder como adulto. Está lá no que seria o novo inciso I, do art. 228, da CRFB (casos do art. 5º, inc. XLIII). A promessa, alardeada aos quatro ventos, foi explicitamente assumida pelos reducionistas: mais prisão para o “inimigo público nº1” desde os 16 anos de idade, em nome da “boa” ideologia da defesa social – ideologia que pode ser resumida no estilo de final de campeonato nacional, assim mesmo, “Bonzinhos X Maus”. O combate ao tráfico é um dos “garotos-propaganda” do reducionismo-proibicionista. É clara a promessa de castigar mais e melhor, para obtenção dos melhores resultados: reduzimos a idade de responsabilidade penal, prendemos mais e por mais tempo, e, assim, diminuímos o tráfico. Essa é uma das deslavadas mentiras oficiais que, no entanto, rendem muitos votos. Aqui o reducionismo se alia ao proibicionismo na fracassada guerra às drogas.
Além do tráfico, a redução também valeria para todos os demais crimes mencionados no art. 5º, inc. XLIII, da CRFB. Aí entram os hediondos – são muitos, todos os que assim foram rotulados pela Lei nº 8.072/90.
Pelo texto do substitutivo rejeitado, entraria, ainda, para efeito de redução da maioridade penal, o homicídio doloso simples, ou seja, o não qualificado, porque os outros tipos penais já estão lá na lista dos hediondos. Entra também a lesão corporal grave, a lesão corporal seguida de morte e todos os casos de roubo com aumento de pena. O roubo com morte, um dos casos de roubo com aumento de pena, também já está lá no rol dos hediondos. A novidade do substitutivo foi trazer o roubo com lesão corporal (o parágrafo 3º inteiro, do art. 157, do CP). No campo do direito, não é pacífico o entendimento de que a morte ou a lesão culposas no roubo devam ser equiparadas à morte ou lesão dolosas, para o efeito de caracterizar o roubo como hediondo em ambos os casos.
Entre as novidades, há uma especialmente digna de destaque, é a lesão corporal seguida de morte. A morte, nesse caso de lesão dolosa, só pode ser atribuída ao sujeito a título de culpa. O crime de resultado mais grave culposo, portanto, entra na lista dos reducionistas. A proposta é, enfim, reduzir a menoridade para a morte culposa que resulta de lesão intencional.
O substitutivo foi rejeitado naquela madrugada do dia 1º de julho, porque faltaram 5 votos para se alcançar o quórum mínimo necessário. Mas a novela não acabou aí. A pretexto de cunhar um segundo substitutivo para a emenda (a PEC 171), o que se emendou foi o substitutivo derrotado. O texto que volta ao plenário no dia 02/07 é uma reprise um tanto mais enxugada daquele substitutivo. Não dá pra saber se a emenda é pior que o soneto, ou vice-versa.
* * *
                   Na segunda madrugada televisada, assistimos ao milagre da ressurreição. O substitutivo que havia morrido na véspera é ressuscitado, como efeito da obra cunhada pelos derrotados, a Emenda Aglutinativa nº 16. Como se já não bastasse o número da fraude colado na PEC da redução, a emenda alcunhada de aglutinativa também traz consigo a ironia numérica. Agora é a vez do 16, a “nova” idade de responsabilidade penal defendida pelos reducionistas. O texto dessa emenda é o seguinte:
“Art. 1º. Dê a seguinte redação ao artigo 228 da Constituição Federal:

Art. 228. São penalmente inimputáveis os menores de 18 anos, sujeitos às normas da legislação especial, ressalvados os maiores de 16 anos, observando-se o cumprimento da pena em estabelecimento separado dos maiores de 18 anos e dos menores inimputáveis, em casos de crimes hediondos, homicídio doloso e lesão corporal seguida de morte.”

                   Como a matéria foi tratada nessa emenda 16?
                   Vê-se muito claramente que essa emenda 16 é uma versão enxugada do substitutivo derrotado.
                   Nessa segunda versão que vamos chamar de “redução da redução”, segunda rodada da “PEC 171, o retorno”, permanecem os hediondos todos, sai a lesão grave e o roubo não hediondo, ou seja, os casos de aumento de pena do roubo que não figuram expressamente na Lei nº 8.072/90. Fica, no entanto, uma lacuna que, com o passar do tempo – quando as “intenções do legislador na origem” são “olvidadas” –, será preenchida por uma leitura jurisprudencial ampliada e rigorosa, como tem sido a leitura majoritária dos tribunais brasileiros, no sentido de entender que o tráfico ainda estaria lá, dentro do rótulo “hediondos”: se é equiparado a hediondo, hediondo é. Esse é o mesmo tipo de leitura que se faz atualmente para, por exemplo, negar a possibilidade de indulto ao delito de tráfico. A “interpretação autêntica” é outro discurso político usado somente quando convém ao intérprete, mas o campo decisório penal não pode ser controlado por esse tipo de “princípio interpretativo”. Ele é fraco. Se alguém quiser a opinião de um filósofo crítico nesse assunto, é ler os “Fundamentos”, do Hassemer, no original ou na tradução.
                   A pergunta do momento é se a digna e patriótica maioria de excelências poderia produzir uma segunda versão da PEC 171? Sim, para a pergunta direta, ou seja, poderiam produzir uma segunda versão da PEC 171. Não, para a concreta manobra realizada, ou seja, não poderiam produzir uma segunda versão do substitutivo derrotado.
                   Assim, a resposta, a julgar pelo que vêm dizendo os especialistas, é positiva e negativa. Explico. Em tese, suas excelências não estariam impedidas de cunhar uma segunda alternativa. A tramitação poderia continuar. Nessa linha, não haveria violação ao art. 60, § 5º, da Constituição da República Federativa do Brasil, porque não houve rejeição da proposta principal. Como a PEC 171 não chegou a ser rejeitada e também não foi dada por prejudicada, não é possível sustentar que tenha havido reapresentação da mesma matéria na mesma sessão legislativa. Entender o contrário seria colocar o legislativo numa camisa de força, impedindo-o de dar prosseguimento ao processo, numa situação em que o destino da Proposta de Emenda, a 171, ainda não teria sido decidido. A 171 ainda não teria sido substituída nem prejudicada.
                   Acontece que o mesmo legislativo não poderia fazer qualquer coisa, sem prestar obediência às regras do jogo. Se, por um lado, pode ser mais difícil insistir na tese da violação direta da norma constitucional, por outro lado, isso não quer dizer que a votação tenha obedecido ao devido processo legislativo (penso que é possível falar em devido processo legislativo). Essa conclusão e tão lógica quanto evidente. A tal emenda aglutinativa nada tem de aglutinativa. É uma versão reduzida do substitutivo derrotado.
* * *
                   No meu modo de ver, a Emenda 16 (aquela que foi alcunhada de aglutinativa) não é nem mais nem menos “atrativa”, do ponto de vista de seu conteúdo, que o substitutivo rejeitado na véspera. O fato de haverem – aparentemente – excluído o tráfico da relação dos crimes habilitados à consideração da responsabilidade penal aos 16 anos não foi o que determinou a maioria da segunda rodada.
                   Uma leitura mais realista indica que a grande surpresa foi a ausência de quórum na votação do dia primeiro. Acredito que os ausentes (poucos), os indecisos e os apoiadores da redução não contavam com o fato de que faltariam cinco votinhos para o quórum mínimo de 308. Heráclito Fortes, por exemplo, que se absteve na primeira rodada de votação, deve ter pensado que seriam favas contadas. Na segunda rodada, a pretexto de explicar o voto do dia anterior, falou, falou, falou, muitos perdigotos gastou, mas ninguém entendeu nada...
                   O que determinou a maioria da segunda rodada foi uma pressão política que já não tinha mais nada a ver com o conteúdo da emenda, mas com a disputa de poder, a pura e simples necessidade de vencer a queda de braço. Qualquer coisa, menos perder para o Executivo. Naquela madrugada do dia 2 da novela “PEC 171, o retorno”, as falas que se ouviam eram de pancada no Executivo Federal. No palanque televisado, ninguém perdeu a oportunidade de investir no desgaste, de bater no “governo do PT”. Quem ligasse a TV naquela hora iria demorar um pouco para perceber que o assunto em discussão era a redução da menoridade penal.
* * *
                   Por trás de tanto interesse pela “ressocialização”, por trás de tanto amor pela juventude e de tanto ódio ao crime há uma motivação bem menos virtuosa do que aquela que costuma aparecer nos discursos dos defensores da moral dominante. O nome dela é dinheiro. Trata-se do lucrativo business da prisão. A CPI do sistema carcerário que aprovar a privatização das penitenciárias e não há melhor argumento para isso do que a redução da maioridade penal. Dizem que faltam recursos públicos para construção das novas unidades para os adolescentes de 16 anos. O Estado não tem recursos para construção das novas unidades, mas os empresários do controle do crime serão pagos por quem?! Ora, por esse mesmo Estado sem recursos, é claro.
                   Vale aqui um registro feito recentemente por Niels Christie, a respeito do sistema prisional mais privatizado do planeta: depois da crise de 2008, os Estados Unidos experimentam a primeira reversão no processo de encarceramento em massa – incrementado nos anos 80 por um astro de Hollywood que chegou à presidência da Gringolândia. Está muito caro manter o encarceramento nos mesmos níveis. Está muito caro para o Estado norte-americano pagar o empresário da prisão. A solução? Reduzir o número de presos. O argumento econômico é mais forte do que qualquer outro e apenas comprova – como George Rusche demonstrou ao final dos anos 30 do século passado – que não há nada mais eficaz no campo das decisões de política criminal do que a estrutura econômica e os interesses do capital. Entramos na fase de prosperidade do negócio prisional?! Essa é a marcha à ré norte-americana do momento. Temos grandes chances de ultrapassar o Tio Sam nesse ranking mundial vergonhoso, podemos nos tornar a Pátria número 1 da prisão.
* * *
                   Voltando à tramitação da PEC 171, era preciso costurar uma forma regimental de passar alguma coisa um pouco diferente daquela outra coisa. Aí começa uma intensa pressão sobre os que poderiam mudar de time ainda no segundo tempo da partida. A justificativa construída para salvar as aparências foi no sentido de que o tráfico saiu e coisa e tal, que ficam somente os hediondos etc e tal, e toca pressão.
                   Enquanto isso, vai assessoria pensar na fórmula regimental para viabilizar a ressureição do substitutivo derrotado na véspera, ainda que numa versão mais light, mais magrinha, lipoaspirada, pouco importa. Aí alguém encontrou o jeito, é fazer emenda aglutinativa. Ao que consta, não havia emenda supressiva a ser votada. E a PEC continuava lá, impávida, intocada, virgem.
                   De acordo com Alexandre Araújo Costa e Henrique Araújo Costa, se quisermos pesquisar no Regimento Interno da Câmara dos Deputados para saber o que é uma emenda aglutinativa, vamos encontrar esse conceito no art. 118:
     “emenda aglutinativa é a que resulta da fusão de outras emendas, ou destas com o texto, por transação tendente à aproximação dos respectivos objetos”.
                   Ainda segundo os irmãos Araújo Costa, “a emenda aglutinativa somente pode ser construída como forma de gerar a fusão de textos de outras emendas, ou de emendas relativas a uma proposição principal.”(http://www.criticaconstitucional.com/o-neoprocessualismo-legislativo-de-eduardo-cunha/acesso em 06/07/2015). E concluem:
“No caso da EMA 16, fica claro que ela não funde textos das emendas à proposição principal da PEC 171/1993, mas que se trata de uma emenda supressiva, construída a partir do substitutivo que havia sido rejeitado, com a redução de partes do texto analisado no dia anterior. Portanto, ela poderia ser razoável como uma emenda supressiva ao substitutivo, mas ela de modo algum pode ser entendida como uma emenda aglutinativa referente ao texto principal da PEC 171/1993.”
                   E não pode mesmo, porque nenhuma das emendas existentes e nem mesmo o texto da PEC 171 possibilita qualquer “aglutinação” parecida com o que foi construído ao final, como Emenda Aglutinativa nº 16. O que houve foi uma inovação a partir do substitutivo rejeitado. O substitutivo rejeitado volta com o nome de emenda aglutinativa.
                   Se a PEC fosse rejeitada, não seria possível construir nenhuma emenda a partir dela (lembrando que a rejeição da PEC implicaria, por óbvio, na rejeição de todas as emendas propostas em relação a ela, na lógica de que o acessório segue o principal). Mas e se o substitutivo é rejeitado? É possível emendar substitutivo rejeitado? A resposta é óbvia. Não se pode emendar substitutivo derrotado. Uma vez rejeitado, ele não comporta nenhum tipo de emenda (supressiva ou aglutinativa).
                   Naquele MS 22.503, de relatoria do Ministro Marco Aurélio, julgado pelo STF nos idos de 1996, quando Fernando Henrique Cardoso era Presidente da República, ficou consignado que a proposta originária é prejudicada quando tiver substitutivo aprovado. O contrário, portanto – substitutivo rejeitado –, não afeta a proposição principal, que segue em tramitação. No mesmo julgado, entendeu-se que “o que não pode ser votado na mesma sessão legislativa é a emenda rejeitada ou havia por prejudicada, e não o substitutivo que é uma subespécie do projeto originariamente proposto.”
                   Substitutivo rejeitado não impede a votação da emenda. Acontece que na situação específica não houve votação da emenda originária, mas de alguma outra coisa chamada de “emenda à emenda”, na verdade, outra emenda que é claramente um remendo do substitutivo rejeitado. Em todo caso, essa emenda ao substitutivo foi construída como emenda à proposta principal – o que claramente não é.
                   A EMA nº 16 será submetida a outra votação em plenário, agora em segundo turno. Caso aprovada, e seguindo-se a mesma lógica da manobra em que foi concebida, a conclusão dos manobristas deveria ser, necessariamente, no sentido de que a PEC 171 está contemplada na falsa aglutinativa. É aguardar o texto do parecer que será apresentado em segundo turno. Nenhuma surpresa, claro, se for construído um discurso diferente da conclusão aqui apontada. Em se tratando das possibilidades de cunhagem criativa da vitória a qualquer custo, o último capítulo dessa novela ainda não está fechado.
* * *
                   O fato novo é que há alguns dias atrás, 102 Deputados impetraram mandado de segurança preventivo junto ao Supremo Tribunal Federal, arguindo a inconstitucionalidade do procedimento (violação do art. 60, da CRFB) e requerendo medida liminar para suspensão do processo legislativo até o julgamento do mérito da ação. O pedido liminar foi indeferido. Há precedentes que sinalizam no sentido de que o STF pode entender que a questão está adstrita ao regimento da Câmara, ou seja, que a matéria é de exclusiva natureza interna corporis, caso em que o julgamento final será desfavorável aos impetrantes.
                   É aguardar. O futuro da EMA 16 ainda não está fechado. No Senado, por onde a matéria obrigatoriamente passaria no seu trâmite normal, e a julgar pelo que se tem notícia por intermédio da imprensa, há os descontentes com a manobra da Câmara, mas também há os que querem passar não somente a redução, mas, junto com ela, a reforma do Estatuto da Criança e do Adolescente. Esta, ao que tudo indica, é a posição do PSDB de José Serra, Aloísio Nunes e Geraldo Alkmin.
                   Essa reforma que está sendo pensada para o Estatuto é de endurecimento, de maior rigor punitivo. Fala-se em aumentar para 8 ou 10 anos o tempo de internação. Juntas, as duas propostas terão um impacto perverso junto à juventude brasileira. O aumento das penas do Estatuto, na prática, pode significar a privação de liberdade de um jovem impúbere de 12 anos por até 10 anos, ou seja, ele sai da prisão aos 22. Essa aberração precisa ser chamada pelo nome próprio: violência. Violência nua e crua. Internar um menino de 12 anos de idade por 10 anos – e sabemos que essa experiência é de dor e sofrimento e que nada tem emancipadora ou educativa – é renunciar a qualquer possibilidade de sua (re)inclusão social. É, numa palavra, nada mais que vingança, é fechar todas as portas de acesso ao um projeto pessoal de futuro. É vingança, sem rodeios e sem o eufemismo da “ressocialização”. Isso não tem nada a ver com justiça. É o desmonte dos direitos humanos. Direitos esses cuja aplicação na sociedade brasileira ainda está muito longe de ser considerada razoável. Se pensarmos, então, na eficácia dos direitos humanos dentro dos cárceres todos, sejam eles penitenciária ou centros de internação, podemos afirmar, com toda certeza, que o modelo brasileiro é, na verdade, o modelo persistente da senzala, do qual ainda não conseguimos nos libertar mesmo depois desses 127 anos contados da assinatura da Lei Áurea. Afinal, 388 anos de escravidão não desaparecem da noite para o dia...
                   Sabemos que os adolescentes, à diferença dos presos adultos, não têm direito à progressão de regime – isso para falar apenas de um entre outros direitos da Lei de Execução Penal. Daí resulta que a internação do adolescente é sempre cumprida integralmente. É óbvio que o aumento do tempo de internação não pode ser discutido assim, como se discutíssemos o preço da banana na feira livre, sem nenhuma consideração aos direitos da execução que teriam que ser acoplados a qualquer proposta. Se alguma mudança deve ser feita no Estatuto, essa tem que passar pelo acolhimento de formas alternativas de lidar com o conflito e a violência, como a justiça restaurativa e outras soluções de implicação do jovem com o próprio ato, juntamente com a vítima. Não se nega que a violência aumentou. O que não podemos é insistir nos erros do passado e aprofundar a desigualdade através do próprio sistema punitivo. Se alguma mudança deve ser feita no Código Penal, essa deve ser para incluir mecanismos de tratamento diferenciado para o jovem adulto, aqueles que têm idade entre 18 e 29 anos. As duas tímidas e inexpressivas cláusulas diferenciadoras atuais, a atenuante genérica e a contagem pela metade do prazo de prescrição, não dão conta do recado.

                   De tudo ficam algumas sensações desalentadoras e algumas certezas angustiantes. Os jovens brasileiros pobres e negros é que pagarão o pato mais uma vez, enquanto a Casa Grande acredita que pode dormir tranquila com a mão na chibata. Ninguém ocupa as ruas para pedir o fim da violência contra os meninos pobres e negros do Brasil. Até quando?