Mexeu com ela, mexeu comigo
Beatriz Vargas Ramos
No
debate da SBT, Aecim explorou todos os bordões que fazem o delírio dos
anti-petistas e, para isso, ele tem a seu favor a desinformação, o ódio
ideológico e a “mídia judicante”, para usar da expressão de Nilo Batista. Penso
que ele desrespeitou os cidadãos brasileiros, eleitores ou não, ao transformar
um debate político, que deveria ser de exposição das propostas que vão orientar
o governo dos próximos anos no Brasil, em performance
retórica, abusando da ironia e das tiradas agressivas. Infelizmente, ele é quem
deu o tom, apostando na estratégia (arriscada) da pancadaria, tudo muito
ensaiado e premeditado, sob a orientação de sua equipe de marqueteiros. Fez o
estilo “eu mijo grosso!”, ou “aqui tem testosterona!”, tão do agrado dos
inimigos da Dilma e do PT.
Dilma
não tem retórica de palanque eleitoral ou de tribuna e esse formato de debate –
essencialmente igual nas três emissoras, Band, SBT e Globo – não a favorece (e
que fique bem, claro, para mim Aecim não é “o” orador e seu estilo é bem
anacrônico, até na entonação, principalmente no discurso de palanque, talvez
seja de propósito...). Aliás, esse formato de debate, que de debate nada tem, também
não favorece o eleitor que está querendo entender as diferenças entre os
programas de governo dos dois candidatos.
Quando
a conversa é sobre propostas, quando a discussão política ganha nível e
complexidade, Dilma é muito melhor que Aecim. É o que aconteceu, por exemplo,
nas sabatinas. Quando desafiado a falar do seu projeto de governo, ele não se
sai bem, perde o domínio da situação, usa de evasivas para responder sobre assuntos
para o quais não está bem preparado, numa palavra, oferece respostas fracas. Ele
fica tenso quando tem que falar de política, mas muito à vontade quando a coisa
vira briga. Ele e sua equipe sabem que a chance de vitória depende disso,
evitar a discussão política e partir para a agressão. Aecim está chamando a
Dilma para o campo em que ele se sai melhor do que ela, o terreno da luta
livre, da baixaria – embora ele diga as baixarias com aquela pose de “sinhozinho”
bem-nascido, herdeiro da Casa Grande, pose de menino educado pela vovó, aquele
que não faz orelha no caderno escolar e que não fala palavrão perto da mamãe e
do papai.
Do
estilo político conservador ele traz outro bordão, aquele de falar em nome de
Minas, como se Minas fosse o seu curral e os mineiros fossem o seu rebanho,
como se ele – disse a Dilma – “fosse Minas”. E de novo ele teima em repetir que
Dilma não conhece Minas Gerais. Num ponto ele tem razão. Dilma não age como
sendo desta ou daquela cidade, deste ou daquele Estado da Federação. Ao
contrário, o estilo dela é cosmopolita, não está mesmo presa às fronteiras
geográficas, ela tem a cara do Brasil inteiro, ela não reivindica nenhuma
capitania hereditária, nenhum feudo, ela é uma mulher do mundo, em pé de
igualdade com qualquer outro estadista. Acontece que Minas faz parte da
história dessa mulher e ninguém pode tirar isso dela. Além disso, Dilma não teme
o passado e deve, sim, invocá-lo tantas vezes quantas for preciso. O passado é
a memória, ele nos constitui, sem passado não há presente nem futuro. O passado
é a história, a experiência, o aprendizado e pode e deve ser aproveitado como
ferramenta de construção do futuro. Ninguém dirige sem olhar para o retrovisor.
Está
claro que Aecim fez sua aposta na adrenalina, no acirramento dos ânimos, no
“combate ao inimigo”. A insistência na “tese”, atribuída aos petistas, da
divisão do Brasil entre “nós e eles”, por exemplo, é um chamamento ao
confronto. Insistir nessa afirmação, atribuindo essa “tese” aos petistas, é, ao
contrário do que parece, esquentá-la ainda mais, colocar lenha na fogueira, não
deixar morrer a brasa. Aecim precisa dessa imagem do inimigo para vencer as
eleições.
O
objetivo do PSDB, desde antes do início da campanha, sempre foi o de minar a
Dilma exatamente naquilo em que ela é respeitada, ou seja, sua condição
reconhecida de boa gestora. Ela tem um domínio de gestão pública que o Aecim não
tem. A ideia tucana, uma vez fracassada a tentativa de colar na Dilma a
etiqueta de corrupta, era a de destruir a imagem da gestora. Aí Deus mandou a
delação premiada e, pelo que vimos ontem, voltaram a jogar todas as fichas no
plano B, buscando identifica-la com o mensalão, por intermédio do vazamento
relativo à Petrobrás – que, como se sabe, não é de petróleo, mas de delação.
Delação, essa coisa asquerosa que faz do dedo-duro um herói, um arauto da
verdade. Quando essa coisa asquerosa chamada delação (que Juarez Tavares e
Frederico Figueiredo muito bem definem no artigo “O que se esconde na delação
premiada”, na Carta Capital) ameaça se voltar contra o partido de Aecim (o
delator aponta o ex-presidente do PSDB, Sérgio Guerra, recebeu propina para
esvaziar uma CPI da Petrobrás), ele responde com um ataque feroz, acusando a Dilma
de pertencer a uma organização criminosa chamada PT. Aqui o ódio ideológico
ultrapassou todos os limites e o respeito ao adversário, que Aecim tanto alega prezar,
foi parar na sarjeta, saiu pelo ralo. Ele usa perversamente de um preconceito
que pode se voltar contra ele mesmo, o de que todo político é corrupto. Esse
preconceito aplicado ao PT toma grandes proporções, em parte, graças à
super-exposição do caso na mídia. Muita gente “percebe” o mensalão como sendo o
“maior escândalo” de corrupção do País (eu penso que o tempo vai se encarregar
de calibrar essa imagem hoje destorcida, mas isso é outro assunto...). O fato é
que Aecim se aproveita do preconceito e investe nele fortemente. Poderia ter
dado a única resposta que um homem público decente, sobretudo quando aspirante
ao cargo de Presidente da República, deveria oferecer, qual seja, a de que
nenhuma suspeita pode se transformar em condenação, com base em publicações de
trechos selecionados da fala de um delator, menos ainda quando esse vazamento
acontece às vésperas das eleições. Se respondesse assim, não seria o Aecim...
Espertamente,
ele não se atreveu a fazer nenhuma consideração negativa em relação ao
ex-presidente Lula, buscando o isolamento de Dilma, poupando Lula e, sobretudo,
poupando a si mesmo de eventuais consequências nefastas de um ataque ao líder
carismático do PT. Não somente poupou Lula de qualquer acusação, como também
foi simpático nas vezes em que se referiu a ele. Agora, claro, é a imagem de Dilma que deve ser vinculada à corrupção. O ponto alto do ataque foi a grave acusação
que Aecim fez contra a Presidenta, ao dizer que “não existe uma terceira opção,
ou a senhora foi conivente ou a senhora foi incompetente para cuidar da maior
empresa pública brasileira” (a grande ironia é que se dependesse do PSDB, a
Petrobrás não seria nem brasileira e nem pública). Aecim escolheu a forma dúbia
de acusar. Covardia. Fugiu da fala direta, embora ninguém possa dizer que não
tenha acusado. A pior forma de fazer política é com ódio – ou simular o ódio para
produzir o efeito da guerra.
Naquela
hora, passei mal. Minha pressão caiu, senti um forte enjôo, tive que tomar uma
dose de sal de fruta Eno. No sofá da minha sala, assistindo a uma gravação do
debate, ensaiei várias respostas. Perdi a compostura. A Dilma não perdeu. Ponto
pra ela.
É
fácil acusar quando não se tem a responsabilidade de provar. É a lógica do
linchamento, deixemos as provas para depois. Acusação produz efeito bombástico
e, novamente, acirra os ânimos, causando na falange agressiva aquela sensação
de vitória, de humilhação do “inimigo”. Dilma respondeu. Não deixou de
responder. E também bateu. Também acusou. Aliás, se a coisa era luta livre, não
se pode dizer que ela tenha sido nocauteada, como andaram espalhando.
Eu
gostaria muito de ver a Dilma de volta ao debate político de verdade. Vamos ver
se o outro candidato vai deixar. Talvez ele repense a estratégia da grosseria e
do deboche. Penso que exagerou, passou dos limites. Há um grande risco nessa
postura, o feitiço pode virar contra o feiticeiro. Tudo depende do impacto que
sua encenação vai causar no eleitor. Até agora, ele conseguiu agradar a quem já
havia decido votar nele, mas a outra parte do eleitorado não necessariamente
vai querer votar no Rock Balboa para Presidente. Como diz outro recente herói nacional,
Bob Jef, também conhecido como Roberto Jeffersson (não sei bem quantos “ff” e
“rr” ele tem no nome), Aecim virou Rock Balboa. O filme a gente sabe como
termina, mas a eleição pode não sair como no cinema.
Quando
Aecim ainda cheirava a leite em pó, Dilma já havia ingressado na militância de
esquerda contra o regime militar. A história dessa mulher e sua prática na
Presidência são a prova mais eloquente de que ela merece a confiança dos
brasileiros. Ao dizer que o homem público ou a mulher pública devem, todo dia e
a cada dia, dia após dia, demonstrarem, com suas ações, que estão à altura de
desempenhar sua missão, Dilma, a meu ver, foi no ponto certo. Só os arrogantes
pensam que estão acima e além de qualquer coisa.
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