Beatriz Vargas Ramos
Cada dia é feito de infinitas possibilidades,
De uma profusão de “milagres” a cada instante,
A cada fração de tempo a vida se revela,
Exuberante!
Porque tudo traz em si o seu contrário,
O seu avesso, o seu reverso,
Uma vida chega ao fim,
E, simultânea,
Outra aparece.
Lá onde o fim
Apenas o começo.
Porque nada é por si mesmo nem é sozinho,
A vida não cessa,
Transforma-se...
De tudo o que acontece à nossa volta,
Quase nada percebemos,
E pouco nos interessa.
Ignorantes,
Indiferentes à essência das coisas,
Às aparências
Nos acostumamos.
Desperdiçamos a maravilha
Que é fazer parte
Desse enigma impressionante.
Há muito que perdemos o olhar da infância
- O encantamento do menino Diego (de Galeano)
ao ver o mar pela primeira vez -
Nos reduzimos ao cotidiano,
Às banalidades,
Ao insignificante.
“O tempo que sobre a terra nos foi concedido”,
Patéticos, gastamos a explorar estandes,
A percorrer prateleiras
De supermercados,
Vitrines de lojas elegantes.
Esvaíram-se nossas manhãs,
Sem ternura,
Sem amor,
Sem semeadura
(Como dizia Drummond).
(Como dizia Drummond).
O solo, deixamos árido,
A amizade, desprezamos.
Nossa energia
Esbanjamos chorando.
“Tempos sombrios” esses dos quais não escapamos.
Assim acreditamos desfrutar a vida:
Praticando o anatocismo alucinante.
Construímos – racionais – os argumentos
Que explicam a fome e a guerra.
(Democracia é um discurso que escrevemos com sangue
ao demarcar nossos domínios sobre a terra).
É bom lembrar (com Milton Santos),
Que a vida humana só é viável nesse planeta
Que é, ao mesmo tempo, nossa morada
E nossa prisão.
E, no entanto, distraídos,
Apenas seguimos o fluxo
Do estúpido progresso que inventamos,
Sem nos perguntar: “Por quê?”
“Pra onde?”
O medo que sofremos se resume
À perda de nosso vil patrimônio.
Nossas crianças já ficaram velhas,
Não há mais sábios,
Não há mais amantes,
Mas – pobres de nós! – ainda temos
Automóveis,
Prozac,
Lipoaspiração,
Viagra,
Anfetaminas,
Diamantes...
Porque queremos cada vez mais do que temos,
Não temos tempo de saber porquê queremos
E nem sabemos, na verdade, o quê queremos.
Um dia, fantasmas, partiremos...
Corpúsculos, seremos dissolvidos
E separados
– Partículas que somos –
Do todo a que um dia pertencemos,
Do “ser” que jamais compreendemos.
Em nossa curta,
Imprecisa existência,
Desprezível fração de segundos,
Simples piscar de olhos no universo,
Nunca soubemos
Que o observador
Estava dentro de nós mesmos.
Brasília, 24 de agosto de 2006
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