quarta-feira, 29 de setembro de 2010

Carta aberta à Dona Weslian Roriz

Prezada Dona Weslian,
Esta é primeira vez que vou votar em Brasília, é meu primeiro voto como eleitora domiciliada no DF. Eu estréio como eleitora na sua avant-première de candidata. Não era bem essa a estréia que eu imaginei pra mim (não sei se esse é também o seu caso...)
Desculpe-me, Senhora Roriz, mas estou desapontada. Explico. Embora eu saiba que voto não é tudo – e na verdade é muito pouco –, eu dou valor ao meu. Como, aliás, acho que faz a grande maioria – quero crer – dos eleitores brasileiros e a imensa maioria dos eleitores do DF.
Nós, os eleitores, temos, neste ano de 2010, motivos de sobra para valorizar nosso voto. Por quê? Porque nós eleitores podemos fazer o que a Justiça Eleitoral e o Supremo Tribunal Federal juntos não fizeram. Cada um de nós, nos poucos minutos de que dispomos, naquela intimidade cívica que mantemos com o aparelhinho da tecla verde, naquele lugarzinho protegido de todos os olhares e sensacionalismos, antítese do Big Brother, cantinho pequeno, secreto e confortável, “indevassável”, como diz a lei, quase um útero, ali, em absoluto silêncio, nós, sim, é que somos Supremos!
Nós podemos muito mais do que pode qualquer autoridade, porque ali na cabine eleitoral somos nós a autoridade maior. Podemos, com o nosso voto, o que queremos, sem limites e sem intermediários. Sim, porque naquele momento a única lei a quem devemos obediência é a lei da nossa consciência. Nós podemos aplicar a regra da ficha limpa, mesmo sem demagogias parlamentares, a despeito da existência de qualquer lei de ficha limpa, com ou sem princípio da anterioridade eleitoral.
Eu disse antes, Senhora Roriz, que estou desapontada, porque, parece-me, sobretudo depois de assitir ao debate de ontem, dia 28/09, entre candidatos ao cargo de governador do DF, que contou com sua participação, que a senhora não está levando a sério a própria estréia. A senhora não dá pra isso não, Dona Weslian... Mal conseguia ler a cola que levou de casa, mal pôde repetir o texto que lhe prepararam, como esperar que nós, eleitores possamos acreditar que é Dona Weslian quem vai governar o GDF, e não o candidatomaridofichassuja que se esconde por trás de sua emocionada e sensível figura?
Que mico, heim, Dona Weslian?! Que vergonha, que saia justa!... A senhora topa ir pro sacrifício, patético avatar do verdadeiro aspirante à governança do DF, a senhora topa dar a cara, simpática e bochechudinha, no lugar do marido-candidato. Claro, mais pelo marido do que pelo candidato! Tudo em nome do amor! Do alardeado e incansavelmente invocado amor pelo marido. A senhora aceita ser o plano B. Belo presente de 50 anos de casamento! Mas, aqui entre nós, Sra. Roriz, que marido é esse que põe a mulher para pagar esse mico, heim?! Aliás, eu não deixaria minha mãe numa situação dessas. Coitada da senhora, haja coração, não é verdade? O amor é cego, não é, Dona Weslian? O amor cega, Dona Weslian...
Tudo muito bonito, mas, desculpe, Dona Weslian, para chefiar o GDF nós não precisamos do seu amor pelo Joaquim Roriz. Tivesse a senhora ao menos um pouquinho de respeito pelo povo do DF, um tantinho ao menos de consideração pela boa política, alguma simpatia pelos princípios da administração pública, pelo pluralismo democrático – ô, Dona Weslian, nem todo mundo pensa exatinho como a senhora e nem por isso merece ir para o inferno!... – a senhora, patriótica e elegantemente, teria recusado o convite de bancar o fantoche do verdadeiro aspirante ao governo do Distrito Federal.
Vivemos tempos de abundância de crônicas públicas de amores privados e de crônica privação de amor pelo público, pelo coletivo. O jogo político, principalmente o jogo eleitoral, imita a estética da novela das oito, é um vale-tudo emocional, promessa de gozo, de final feliz. Ganha quem consegue apelar para a satisfação emocional individualista. Por isso mesmo, do ponto de vista eleitoral e propagandístico, não é ruim a estratégia de colocar a senhora à frente da campanha carregando o estandarte do amor de esposa. A mulher tudo pode em nome do amor, não é assim? Tudo se perdoa da mulher que ama... Esse amor esponsal burguês vende novela, vende filme, revista, roupa, academia, jóia, camisinha e viagra... por que não renderia votos?
Com o que a senhora aprendeu ao longo de 50 anos na cartilha política do seu marido, um calmante, um bom tailler e duas ou três frases de amor – ou somente com o nome Roriz – a senhora já vai ganhar muitos votos. Não sabemos ainda o final dessa novela, mas a sorte é que nem todos gostaram da trama...
Beatriz Vargas Ramos

5 comentários:

  1. "Vivemos tempos de abundância de crônicas públicas de amores privados e de crônica privação de amor pelo público". Muito legal!!! Parabéns pelo texto! Beijinhos, Marina Rossi.

    ResponderExcluir
  2. Lacan já dizia que "A Mulher é o sintoma do homem". Ótimo texto!! Beijos, lu

    ResponderExcluir
  3. Bia, Brasília é algo assim meio estranho, quando pensamos que já vimos de tudo, aparece o inominável.
    E como você bem disse, expor a companheira à execração pública, jogá-la às piranhas foi algo terrível. Pior ainda, ela se sujeitar a isso! Cadê os filhos para impedir?
    Às vezes parece que tudo isso não foi outra coisa que não um delírio provocado pela seca. Bjs, Pá.

    ResponderExcluir
  4. Excelente texto, querida Bia! Quero ser como você quando eu crescer! Beijos!!!

    ResponderExcluir
  5. Beatriz,

    leio a sua carta e entendo a infinita admiração que o meu pai tem por você. Escreva MUITO, porque aqui em Timor nós estamos adorando!

    Um beijo!

    ResponderExcluir