A redução da redução – ou – Como ressuscitar o morto
Beatriz Vargas
Professora de Direito Penal e Criminologia na UnB
O
substitutivo rejeitado na Câmara dos Deputados no dia 1º de julho, a primeira madrugada
televisada das rodadas de votação em plenário da PEC 171, é o seguinte:
“Art. 1º.
O art. 228 da Constituição Federal passa a vigorar com a seguinte redação:
Art. 228.
São penalmente inimputáveis os menores de dezoito anos, sujeitos às normas da
legislação especial, ressalvados os maiores de dezesseis anos nos casos de:
I –
crimes previstos no art. 5º, inciso XLIII;
II –
homicídio doloso;
III –
lesão corporal grave;
IV –
lesão corporal seguida de morte;
V – roubo
com causa de aumento de pena.
Parágrafo
único. Os maiores de dezesseis e menores de dezoito anos cumprirão a pena em
estabelecimento separado dos maiores de dezoito anos e dos menores
inimputáveis.
Art. 2º O
art. 227 da Constituição Federal passa a vigorar com a seguinte redação:
Art. 227
.................................................................................................................................
§ 9º O
Estado instituirá políticas públicas e manterá programas destinados ao
atendimento socioeducativo e à ressocialização do adolescente em conflito com a
lei, com a destinação de recursos específicos para tal finalidade, vedado o
contingenciamento das dotações consignadas nas leis orçamentárias anuais.
Art. 3º A
União, os Estados e o Distrito Federal criarão os estabelecimentos a que se
refere o art. 1º desta Emenda à Constituição.”
*
* *
Ninguém
pôs em dúvida, naquela ocasião, que o tráfico de drogas estava entre os casos
em que o adolescente de 16 anos poderia responder como adulto. Está lá no que
seria o novo inciso I, do art. 228, da CRFB (casos do art. 5º, inc. XLIII). A
promessa, alardeada aos quatro ventos, foi explicitamente assumida pelos
reducionistas: mais prisão para o “inimigo público nº1” desde os 16 anos de
idade, em nome da “boa” ideologia da defesa social – ideologia que pode ser
resumida no estilo de final de campeonato nacional, assim mesmo, “Bonzinhos X Maus”.
O combate ao tráfico é um dos “garotos-propaganda” do reducionismo-proibicionista.
É clara a promessa de castigar mais e melhor, para obtenção dos melhores
resultados: reduzimos a idade de responsabilidade penal, prendemos mais e por
mais tempo, e, assim, diminuímos o tráfico. Essa é uma das deslavadas mentiras
oficiais que, no entanto, rendem muitos votos. Aqui o reducionismo se alia ao
proibicionismo na fracassada guerra às drogas.
Além
do tráfico, a redução também valeria para todos os demais crimes mencionados no
art. 5º, inc. XLIII, da CRFB. Aí entram os hediondos – são muitos, todos os que
assim foram rotulados pela Lei nº 8.072/90.
Pelo
texto do substitutivo rejeitado, entraria, ainda, para efeito de redução da
maioridade penal, o homicídio doloso simples, ou seja, o não qualificado, porque
os outros tipos penais já estão lá na lista dos hediondos. Entra também a lesão
corporal grave, a lesão corporal seguida de morte e todos os casos de roubo com
aumento de pena. O roubo com morte, um dos casos de roubo com aumento de pena,
também já está lá no rol dos hediondos. A novidade do substitutivo foi trazer o
roubo com lesão corporal (o parágrafo 3º inteiro, do art. 157, do CP). No campo
do direito, não é pacífico o entendimento de que a morte ou a lesão culposas no
roubo devam ser equiparadas à morte ou lesão dolosas, para o efeito de caracterizar
o roubo como hediondo em ambos os casos.
Entre
as novidades, há uma especialmente digna de destaque, é a lesão corporal
seguida de morte. A morte, nesse caso de lesão dolosa, só pode ser atribuída ao
sujeito a título de culpa. O crime de resultado mais grave culposo, portanto,
entra na lista dos reducionistas. A proposta é, enfim, reduzir a menoridade
para a morte culposa que resulta de lesão intencional.
O
substitutivo foi rejeitado naquela madrugada do dia 1º de julho, porque
faltaram 5 votos para se alcançar o quórum mínimo necessário. Mas a novela não
acabou aí. A pretexto de cunhar um segundo substitutivo para a emenda (a PEC
171), o que se emendou foi o substitutivo derrotado. O texto que volta ao
plenário no dia 02/07 é uma reprise um tanto mais enxugada daquele
substitutivo. Não dá pra saber se a emenda é pior que o soneto, ou vice-versa.
*
* *
Na segunda madrugada
televisada, assistimos ao milagre da ressurreição. O substitutivo que havia
morrido na véspera é ressuscitado, como efeito da obra cunhada pelos
derrotados, a Emenda Aglutinativa nº 16. Como se já não bastasse o número da
fraude colado na PEC da redução, a emenda alcunhada de aglutinativa também traz
consigo a ironia numérica. Agora é a vez do 16, a “nova” idade de
responsabilidade penal defendida pelos reducionistas. O texto dessa emenda é o
seguinte:
“Art. 1º.
Dê a seguinte redação ao artigo 228 da Constituição Federal:
Art. 228.
São penalmente inimputáveis os menores de 18 anos, sujeitos às normas da
legislação especial, ressalvados os maiores de 16 anos, observando-se o
cumprimento da pena em estabelecimento separado dos maiores de 18 anos e dos
menores inimputáveis, em casos de crimes hediondos, homicídio doloso e lesão
corporal seguida de morte.”
Como a matéria foi tratada nessa
emenda 16?
Vê-se muito claramente que
essa emenda 16 é uma versão enxugada do substitutivo derrotado.
Nessa segunda versão que
vamos chamar de “redução da redução”, segunda rodada da “PEC 171, o retorno”, permanecem
os hediondos todos, sai a lesão grave e o roubo não hediondo, ou seja, os casos
de aumento de pena do roubo que não figuram expressamente na Lei nº 8.072/90.
Fica, no entanto, uma lacuna que, com o passar do tempo – quando as “intenções
do legislador na origem” são “olvidadas” –, será preenchida por uma leitura
jurisprudencial ampliada e rigorosa, como tem sido a leitura majoritária dos
tribunais brasileiros, no sentido de entender que o tráfico ainda estaria lá,
dentro do rótulo “hediondos”: se é equiparado a hediondo, hediondo é. Esse é o
mesmo tipo de leitura que se faz atualmente para, por exemplo, negar a
possibilidade de indulto ao delito de tráfico. A “interpretação autêntica” é
outro discurso político usado somente quando convém ao intérprete, mas o campo
decisório penal não pode ser controlado por esse tipo de “princípio
interpretativo”. Ele é fraco. Se alguém quiser a opinião de um filósofo crítico
nesse assunto, é ler os “Fundamentos”, do Hassemer, no original ou na tradução.
A pergunta do momento é se a digna
e patriótica maioria de excelências poderia produzir uma segunda versão da PEC
171? Sim, para a pergunta direta, ou seja, poderiam produzir uma segunda versão
da PEC 171. Não, para a concreta manobra realizada, ou seja, não poderiam
produzir uma segunda versão do substitutivo derrotado.
Assim, a resposta, a julgar
pelo que vêm dizendo os especialistas, é positiva e negativa. Explico. Em tese,
suas excelências não estariam impedidas de cunhar uma segunda alternativa. A
tramitação poderia continuar. Nessa linha, não haveria violação ao art. 60, §
5º, da Constituição da República Federativa do Brasil, porque não houve
rejeição da proposta principal. Como a PEC 171 não chegou a ser rejeitada e
também não foi dada por prejudicada, não é possível sustentar que tenha havido
reapresentação da mesma matéria na mesma sessão legislativa. Entender o
contrário seria colocar o legislativo numa camisa de força, impedindo-o de dar
prosseguimento ao processo, numa situação em que o destino da Proposta de
Emenda, a 171, ainda não teria sido decidido. A 171 ainda não teria sido
substituída nem prejudicada.
Acontece que o mesmo
legislativo não poderia fazer qualquer coisa, sem prestar obediência às regras
do jogo. Se, por um lado, pode ser mais difícil insistir na tese da violação
direta da norma constitucional, por outro lado, isso não quer dizer que a
votação tenha obedecido ao devido processo legislativo (penso que é possível
falar em devido processo legislativo). Essa conclusão e tão lógica quanto
evidente. A tal emenda aglutinativa nada tem de aglutinativa. É uma versão
reduzida do substitutivo derrotado.
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* *
No meu modo de ver, a Emenda
16 (aquela que foi alcunhada de aglutinativa) não é nem mais nem menos
“atrativa”, do ponto de vista de seu conteúdo, que o substitutivo rejeitado na
véspera. O fato de haverem – aparentemente – excluído o tráfico da relação dos
crimes habilitados à consideração da responsabilidade penal aos 16 anos não foi
o que determinou a maioria da segunda rodada.
Uma leitura mais realista
indica que a grande surpresa foi a ausência de quórum na votação do dia
primeiro. Acredito que os ausentes (poucos), os indecisos e os apoiadores da
redução não contavam com o fato de que faltariam cinco votinhos para o quórum
mínimo de 308. Heráclito Fortes, por exemplo, que se absteve na primeira rodada
de votação, deve ter pensado que seriam favas contadas. Na segunda rodada, a
pretexto de explicar o voto do dia anterior, falou, falou, falou, muitos
perdigotos gastou, mas ninguém entendeu nada...
O que determinou a maioria da
segunda rodada foi uma pressão política que já não tinha mais nada a ver com o
conteúdo da emenda, mas com a disputa de poder, a pura e simples necessidade de
vencer a queda de braço. Qualquer coisa, menos perder para o Executivo. Naquela
madrugada do dia 2 da novela “PEC 171, o retorno”, as falas que se ouviam eram
de pancada no Executivo Federal. No palanque televisado, ninguém perdeu a
oportunidade de investir no desgaste, de bater no “governo do PT”. Quem ligasse
a TV naquela hora iria demorar um pouco para perceber que o assunto em
discussão era a redução da menoridade penal.
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Por trás de tanto interesse
pela “ressocialização”, por trás de tanto amor pela juventude e de tanto ódio
ao crime há uma motivação bem menos virtuosa do que aquela que costuma aparecer
nos discursos dos defensores da moral dominante. O nome dela é dinheiro.
Trata-se do lucrativo business da
prisão. A CPI do sistema carcerário que aprovar a privatização das
penitenciárias e não há melhor argumento para isso do que a redução da
maioridade penal. Dizem que faltam recursos públicos para construção das novas
unidades para os adolescentes de 16 anos. O Estado não tem recursos para
construção das novas unidades, mas os empresários do controle do crime serão
pagos por quem?! Ora, por esse mesmo Estado sem recursos, é claro.
Vale aqui um registro feito recentemente
por Niels Christie, a respeito do sistema prisional mais privatizado do
planeta: depois da crise de 2008, os Estados Unidos experimentam a primeira
reversão no processo de encarceramento em massa – incrementado nos anos 80 por
um astro de Hollywood que chegou à presidência da Gringolândia. Está muito caro
manter o encarceramento nos mesmos níveis. Está muito caro para o Estado
norte-americano pagar o empresário da prisão. A solução? Reduzir o número de
presos. O argumento econômico é mais forte do que qualquer outro e apenas
comprova – como George Rusche demonstrou ao final dos anos 30 do século passado
– que não há nada mais eficaz no campo das decisões de política criminal do que
a estrutura econômica e os interesses do capital. Entramos na fase de
prosperidade do negócio prisional?! Essa é a marcha à ré norte-americana do
momento. Temos grandes chances de ultrapassar o Tio Sam nesse ranking mundial vergonhoso, podemos nos
tornar a Pátria número 1 da prisão.
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* *
Voltando à tramitação da PEC
171, era preciso costurar uma forma regimental de passar alguma coisa um pouco diferente daquela outra coisa. Aí começa uma intensa pressão sobre os que poderiam
mudar de time ainda no segundo tempo da partida. A justificativa construída
para salvar as aparências foi no sentido de que o tráfico saiu e coisa e tal, que
ficam somente os hediondos etc e tal, e toca pressão.
Enquanto isso, vai assessoria
pensar na fórmula regimental para viabilizar a ressureição do substitutivo
derrotado na véspera, ainda que numa versão mais light, mais magrinha, lipoaspirada, pouco importa. Aí alguém
encontrou o jeito, é fazer emenda aglutinativa. Ao que consta, não havia emenda
supressiva a ser votada. E a PEC continuava lá, impávida, intocada, virgem.
De acordo com Alexandre
Araújo Costa e Henrique Araújo Costa, se quisermos pesquisar no Regimento
Interno da Câmara dos Deputados para saber o que é uma emenda aglutinativa,
vamos encontrar esse conceito no art. 118:
“emenda aglutinativa é a que
resulta da fusão de outras emendas, ou destas com o texto, por transação
tendente à aproximação dos respectivos objetos”.
Ainda segundo os irmãos
Araújo Costa, “a emenda aglutinativa somente pode ser construída como forma de
gerar a fusão de textos de outras emendas, ou de emendas relativas a uma
proposição principal.”(http://www.criticaconstitucional.com/o-neoprocessualismo-legislativo-de-eduardo-cunha/acesso
em 06/07/2015). E concluem:
“No caso
da EMA 16, fica claro que ela não funde textos das emendas à proposição
principal da PEC 171/1993, mas que se trata de uma emenda supressiva,
construída a partir do substitutivo que havia sido rejeitado, com a redução de
partes do texto analisado no dia anterior. Portanto, ela poderia ser razoável
como uma emenda supressiva ao substitutivo, mas ela de modo algum pode ser
entendida como uma emenda aglutinativa referente ao texto principal da PEC
171/1993.”
E não pode mesmo, porque
nenhuma das emendas existentes e nem mesmo o texto da PEC 171 possibilita
qualquer “aglutinação” parecida com o que foi construído ao final, como Emenda
Aglutinativa nº 16. O que houve foi uma inovação a partir do substitutivo
rejeitado. O substitutivo rejeitado volta com o nome de emenda aglutinativa.
Se a PEC fosse rejeitada, não
seria possível construir nenhuma emenda a partir dela (lembrando que a rejeição
da PEC implicaria, por óbvio, na rejeição de todas as emendas propostas em
relação a ela, na lógica de que o acessório segue o principal). Mas e se o substitutivo
é rejeitado? É possível emendar substitutivo rejeitado? A resposta é óbvia. Não
se pode emendar substitutivo derrotado. Uma vez rejeitado, ele não comporta
nenhum tipo de emenda (supressiva ou aglutinativa).
Naquele MS 22.503, de
relatoria do Ministro Marco Aurélio, julgado pelo STF nos idos de 1996, quando
Fernando Henrique Cardoso era Presidente da República, ficou consignado que a
proposta originária é prejudicada quando tiver substitutivo aprovado. O
contrário, portanto – substitutivo rejeitado –, não afeta a proposição
principal, que segue em tramitação. No mesmo julgado, entendeu-se que “o que
não pode ser votado na mesma sessão legislativa é a emenda rejeitada ou havia
por prejudicada, e não o substitutivo que é uma subespécie do projeto originariamente
proposto.”
Substitutivo rejeitado não
impede a votação da emenda. Acontece que na situação específica não houve
votação da emenda originária, mas de alguma outra coisa chamada de “emenda à
emenda”, na verdade, outra emenda que é claramente um remendo do substitutivo
rejeitado. Em todo caso, essa emenda ao substitutivo foi construída como emenda
à proposta principal – o que claramente não é.
A EMA nº 16 será submetida a
outra votação em plenário, agora em segundo turno. Caso aprovada, e seguindo-se
a mesma lógica da manobra em que foi concebida, a conclusão dos manobristas deveria
ser, necessariamente, no sentido de que a PEC 171 está contemplada na falsa
aglutinativa. É aguardar o texto do parecer que será apresentado em segundo
turno. Nenhuma surpresa, claro, se for construído um discurso diferente da
conclusão aqui apontada. Em se tratando das possibilidades de cunhagem criativa
da vitória a qualquer custo, o último capítulo dessa novela ainda não está
fechado.
*
* *
O fato novo é que há alguns
dias atrás, 102 Deputados impetraram mandado de segurança preventivo junto ao
Supremo Tribunal Federal, arguindo a inconstitucionalidade do procedimento (violação
do art. 60, da CRFB) e requerendo medida liminar para suspensão do processo legislativo
até o julgamento do mérito da ação. O pedido liminar foi indeferido. Há
precedentes que sinalizam no sentido de que o STF pode entender que a questão
está adstrita ao regimento da Câmara, ou seja, que a matéria é de exclusiva natureza
interna corporis, caso em que o julgamento
final será desfavorável aos impetrantes.
É aguardar. O futuro da EMA
16 ainda não está fechado. No Senado, por onde a matéria obrigatoriamente
passaria no seu trâmite normal, e a julgar pelo que se tem notícia por intermédio
da imprensa, há os descontentes com a manobra da Câmara, mas também há os que
querem passar não somente a redução, mas, junto com ela, a reforma do Estatuto
da Criança e do Adolescente. Esta, ao que tudo indica, é a posição do PSDB de
José Serra, Aloísio Nunes e Geraldo Alkmin.
Essa reforma que está sendo
pensada para o Estatuto é de endurecimento, de maior rigor punitivo. Fala-se em
aumentar para 8 ou 10 anos o tempo de internação. Juntas, as duas propostas terão
um impacto perverso junto à juventude brasileira. O aumento das penas do
Estatuto, na prática, pode significar a privação de liberdade de um jovem
impúbere de 12 anos por até 10 anos, ou seja, ele sai da prisão aos 22. Essa
aberração precisa ser chamada pelo nome próprio: violência. Violência nua e
crua. Internar um menino de 12 anos de idade por 10 anos – e sabemos que essa
experiência é de dor e sofrimento e que nada tem emancipadora ou educativa – é
renunciar a qualquer possibilidade de sua (re)inclusão social. É, numa palavra,
nada mais que vingança, é fechar todas as portas de acesso ao um projeto
pessoal de futuro. É vingança, sem rodeios e sem o eufemismo da
“ressocialização”. Isso não tem nada a ver com justiça. É o desmonte dos
direitos humanos. Direitos esses cuja aplicação na sociedade brasileira ainda
está muito longe de ser considerada razoável. Se pensarmos, então, na eficácia
dos direitos humanos dentro dos cárceres todos, sejam eles penitenciária ou
centros de internação, podemos afirmar, com toda certeza, que o modelo brasileiro
é, na verdade, o modelo persistente da senzala, do qual ainda não conseguimos
nos libertar mesmo depois desses 127 anos contados da assinatura da Lei Áurea. Afinal,
388 anos de escravidão não desaparecem da noite para o dia...
Sabemos que os adolescentes,
à diferença dos presos adultos, não têm direito à progressão de regime – isso
para falar apenas de um entre outros direitos da Lei de Execução Penal. Daí
resulta que a internação do adolescente é sempre cumprida integralmente. É
óbvio que o aumento do tempo de internação não pode ser discutido assim, como
se discutíssemos o preço da banana na feira livre, sem nenhuma consideração aos
direitos da execução que teriam que ser acoplados a qualquer proposta. Se
alguma mudança deve ser feita no Estatuto, essa tem que passar pelo acolhimento
de formas alternativas de lidar com o conflito e a violência, como a justiça
restaurativa e outras soluções de implicação do jovem com o próprio ato,
juntamente com a vítima. Não se nega que a violência aumentou. O que não
podemos é insistir nos erros do passado e aprofundar a desigualdade através do
próprio sistema punitivo. Se alguma mudança deve ser feita no Código Penal,
essa deve ser para incluir mecanismos de tratamento diferenciado para o jovem
adulto, aqueles que têm idade entre 18 e 29 anos. As duas tímidas e
inexpressivas cláusulas diferenciadoras atuais, a atenuante genérica e a
contagem pela metade do prazo de prescrição, não dão conta do recado.
De tudo ficam algumas sensações
desalentadoras e algumas certezas angustiantes. Os jovens brasileiros pobres e
negros é que pagarão o pato mais uma vez, enquanto a Casa Grande acredita que
pode dormir tranquila com a mão na chibata. Ninguém ocupa as ruas para pedir o
fim da violência contra os meninos pobres e negros do Brasil. Até quando?
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